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quarta-feira, 1 de maio de 2024

O AVESSO DA PELE, de Jeferson Tenório - Reflexões 1

 



Cena 1-

"Mas Juliana não parecia incomodada, porque não pensava que se enquadrasse naquele discurso da cunhada, afinal ela estava namorando um homem negro, tinha um compromisso com um homem negro e isso já bastava para que fosse absolvida de qualquer racismo, ela pensava. Luara era dois anos mais nova que você, entretanto sempre pareceu mais madura. Ela nunca teve um namorado branco."

REFLEXÕES:

O racismo ainda atravessa as relações sociais, afetivas, sexuais, familiares, laborais. Esse trecho do livro tem o poder de nos trazer várias cenas que presenciamos ou vivenciamos ao longo de nossa jornada. Lembranças que nos atingem feito chicotadas, estalam como bofetadas, ardem como ferro em brasa.
Quantas vezes não ouvimos pessoas dizerem que não são racistas e justificarem por terem amigos, afetos ou familiares negros? Como se a proximidade a pessoas negras as colocassem imunes ao racismo.

Cena 2 -

"Na verdade, poucos homens brancos olhavam para ela. E, quando percebeu que isso era devido a sua pele retinta, quando notou que os homens brancos não gostavam do cabelo dela, quando entendeu que ela só servia como fetiche sexual, Luara passou a rebater o mundo branco sempre que podia. E você só foi entender de fato a situação de sua irmã quando você conheceu o professor Oliveira."

REFLEXÕES:

Esse trecho me fez relembrar de uma cena que muito me marcou na adolescência, mas que me ajudou a identificar o preconceito e o racismo.
Sem saber muito como se deu a mudança, quando criança, fui sociável e cercada de outras crianças, Ao entrar na pré-adolescência, fui me transformando em menina tímida, com baixa autoestima, cabisbaixa, ombros curvados e sempre com um livro ou um jornal à frente de meu rosto. Eu vivia em sonhos com amores platônicos e não pegava ninguém.
Um dia, já quase saindo da adolescência, influenciada pelas leituras feministas e marxistas, resolvi expor meus sentimentos para um amigo, por muito tempo o meu crush. Surpreso, não por meus sentimentos, já que todo o grupo sabia, mas por minha coragem, ele reagiu, me mandando pela cara um "Não namoro meninas de cabelos enrolados".
Naquele momento, foi como que se ecoassem as vozes e zombarias que tanto ouvi em meu grupo familiar e social. Uns me zoavam dizendo que eu era branca azeda, outros me chamavam de sarará.
Descendente de família de origens eurafricana, com pai preto e mãe branca, nasci de cor de pele nem branca nem preta, com cabelos crespos, nariz largo e lábios grossos. Para uns, eu seria branca, para outros, parda e, talvez, para outros eu possa ser classificada como negra, se considerarmos pretos e pardos.
Quando penso na classificação parda para cor\raça eu fico muito reflexiva... O que é e o que significa ser parda? Parda seria um marcador de cor de pele, de raça\etnia ou seria mais uma figura de linguagem para disfarçar as nossas origens nos extratos sociais que por gerações vem sendo rebaixados socioeconomicamente pela intensa exploração de sua força de trabalho?
Pardos, os "quase brancos quase pretos de tão pobres", conforme Caetano Veloso.

Luzia M. Cardoso
RJ, 30 abr. 2024

#OAvessodaPele #Racismo #RacismoEstrutural #Literatura

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