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quarta-feira, 26 de junho de 2019

A Grande Montanha em Evidência



A Grande Montanha em Evidência



A língua portuguesa apresenta muitas possibilidades de conjugação do verbo, havendo, portanto, possibilidades de flexão do verbo. É por isso que no parágrafo acima, quando foi tratado os tempos verbais a disposição do emissor, não houver a possibilidade de se falar que “haveria”, ou seja, aplicar o verbo haver no futuro do pretérito, tempo verbal este que indica ater condição para a concretização da ação.

Toda essa discussão introdutória acerca das possibilidades da conjugação do verbo na língua portuguesa foi impulsionada pela releitura da Sentença contra Lula, Luís Inácio Lula da Silva, referente à denúncia do Ministério Público sobre o seu suposto envolvimento em prática de corrupção e lavagem de dinheiro, especificamente no caso do apartamento Triplex do Guarujá, em São Paulo.


No referido Relatório, 218 páginas disponíveis para acesso na Internet, cujo texto conta com 962 pontos, há uma longa apresentação dos fundamentos da Sentença, introduzida pela apresentação dos pontos da acusação e finalizando na sentença condenatória por atos de corrupção e lavagem de dinheiro, considerando, ainda, que ele teria recebido “vantagens indevidas em decorrência do cargo de presidente” (o triplex no Guarujá e as supostas reformas). (& 1º, item 948, página 215).


Embora leitora comum, em leitura atenta do documento se observa a prevalência do verbo no tempo futuro do pretérito, modo indicativo. Ou seja, do verbo que indica haver dúvidas acerca da realização ou conclusão da ação, ou de ela ter sido frustrada por algum motivo. Prevalece, lá, a conjugação de verbos no futuro do pretérito do modo indicativo, tanto na terceira pessoa do singular quanto na terceira pessoa do plural.

A peça condenatória se firma em ações que comprometeriam o réu, como sujeito ou estaria a elas implicado direta ou indiretamente, contudo, a apresentação de tais ações está predominantemente no tempo futuro do pretérito do modo indicativo: “teria” feito; “teria” pago; “teria” recebido; “teria” aceito etc.


Alguns estudiosos de análise de texto poderiam sugerir haver lá a predominância de vícios de linguagem, ou ainda caracterizar um estilo de construção de texto adotado por específicas categorias profissionais.


Sim, realmente a prevalência do tempo verbal nos textos pode indicar uma das duas possibilidades. Contudo, documentos oficiais utilizados para a apresentação de sentenças de réus, ou aqueles que definem, de alguma forma, a vida e a propriedade de alguém, não podem dar margem à nenhuma dúvida.


Imaginem um laudo médico assim escrito:



“O paciente teria sido submetido à cirurgia...; atestaria que fulano de tal apresentaria alto risco de ...; “O exame evidenciaria...” 

Imaginem uma procuração cujo texto adotasse o tempo futuro do pretérito:

“Saibam todos que virem essa escritura pública que no dia tal do mês e ano tal, perante mim, teria comparecido o Sr. Beltrano e eu reconheceria a identidade do presente, sua capacidade para o ato e daria boa fé e por ele teria me sido dito que por esta escritura pública de mandato, nos termos de direito, nomearia e constituiria seu bastante procurador o Sr. Sicrano”

Diante do tempo verbal, ao final da leitura, surgem indagações: Afinal, o médico atestou ou ele atestaria dependendo de alguma condição? O Tabelião reconheceu ou reconheceria?



Questões semelhantes também se apresentam ao leitor do processo citado de Lula. Considerando o tempo verbal prevalente na peça condenatória, pode-se inferir que a condenação se baseou em supostas ações praticadas e por supostos benefícios recebidos pelo réu, determinando que estes estariam materializados no apartamento Triplex, situado em Guarujá, em São Paulo e nas supostas reformas personalizadas do mesmo.


Contudo, não constam lá, ou não foram anexadas ao arquivo disponibilizado na Internet, as provas concretas e irrefutáveis do crime, ou seja, cadê: 



1 - A escritura do imóvel, lavrada em Cartório, em nome do réu ou de um de seus familiares; 



2 - O comprovante de pagamento de taxas de manutenção do mesmo (condomínio, conta de água, luz, gás etc.) em nome do réu ou de um de seus familiares; 



3 – As fotos do apartamento reformado e sua respectiva Nota Fiscal, com a assinatura do réu ou de um de seus familiares; 

4 – Os comprovantes bancários de conta com valor acima do declarado; 

5 – A comprovação de haver algum Offshore em paraíso fiscal relacionado ao réu ou à sua família; 

6 – Os flagrantes de recebimento de propina em malas, carros etc.


Por outro lado, com relação à reforma do triplex, há um vídeo feito pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, MTST, em 16 de abril de 2018, quando filmaram todas as dependências do imóvel, demonstrando não haver por lá evidências de alguma reforma iniciada, tampouco, finalizada. 

No entanto, segundo a peça condenatória, na página 218, item 468 a 471, consideraram como realizadas pela Construtora OAS as reformas no triplex, consideraram ainda que elas ocorreram para atender ao cliente Luiz Inácio Lula da Silva e a sua esposa Marisa Letícia Lula da Silva, bem como ter sido instalado lá um elevador privativo.

E como provas materiais para a condenação de Lula, juntaram depoimentos - inclusive de criminosos confessos – entendendo que eles assegurariam a visita de Lula e sua esposa ao referido imóvel e que este fato apontaria para o suposto interesse do réu no recebimento do Triplex, bem como para a concordância dos mesmos acerca da realização das referidas reformas – reformas estas que não são facilmente identificadas quando se assiste ao vídeo realizado pelo MTST e aqui já citado.

Assim, concluíram que Lula e sua esposa eram os “proprietários de fato” do triplex do tal condomínio no Guarujá e que houve as reformas no imóvel, bem como que tais reformas “foram a eles [Lula e família] destinadas, considerando, assim, estarem provados os benefícios recebidos por Lula e, consequentemente, a sua participação no crime de corrupção que levou a sua condenação à prisão.

Para a sociedade, todo o andamento do processo no Tribunal de primeira instância de Curitiba até a sentença final estaria sendo conduzido por um juiz que, por sua imparcialidade e isonomia, garantiria ao réu o seu pleno direito de defesa.

No entanto, agora com a divulgação, pelo @TheInterceptBrasil, pela Folha de São Paulo e pelo jornalista Reinaldo de Azevedo, de mensagens que teriam sido trocadas entre o juiz e os promotores do caso, em aplicativo privado e fora dos autos do processo, indicam que o direito de defesa do réu foi ferido, visto às orientações do juiz do caso aos promotores, levando, assim, à sua suspeição.

Apesar da metodologia utilizada para a comprovação da autenticidade das mensagens terem sido divulgadas, apesar da cronologia das mesmas, da possibilidade de qualquer leitor constatar a relação entre fatos ocorridos e as orientações presentes nos diálogos divulgados, apesar de o juiz e promotores citados em nenhum momento terem indicado objetivamente quais mensagens foram adulteradas ou quais não são verdadeiras; apesar de, embora os mesmos não as considerarem legítimas, o juiz publicamente afirmar que não lembra se teria dito ou não e, inclusive, se desculpar publicamente pela fala que não lembra ter dito, predomina no poder a narrativa de as mensagens divulgadas serem frutos de ação criminosas de hackers, que teriam invadido Smartphones e adulterado as mensagens que estão vindo a público.

Enquanto isso, Lula segue preso em Curitiba, Paraná, apesar de

· a peça condenatória ter sido redigida com a prevalência das incertezas inerentes ao tempo verbal no futuro do pretérito do modo indicativo;

· não terem sido apresentados documentos palpáveis e que comprovem, de fato e de direito, a relação dele com propinas e corrupção;

· seu processo não ter sido Transitado em Julgado;

· haver direito garantido na Constituição da República Federativa do Brasil, no Título referente aos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, artigo 5º, alínea LVII, onde se assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; 

· haver o princípio “In dubio pro reo” presente no artigo 386, item VI, do Código de Processo Penal;

· divulgadas trocas de mensagens entre o juiz e os promotores do caso e que estão sendo reportadas ao público pela The Intercept Brasil, Folha de São Paulo e pelo jornalista Reinaldo Azevedo, repercutidas na imprensa brasileira e internacional. 

É importante deixar claro aqui a ciência dos muitos feitos e benefícios da Operação Lava Jato à sociedade brasileira, assim como, também, igualmente serem reconhecidos aqueles inerentes às Políticas Públicas e respectivos programas executados durante os dois mandatos presidenciais de Lula. Contudo, apesar dos vibrantes aplausos aos acertos dos citados, tais acertos não isentam os atores de cometerem erros, de infringirem as leis do país ou de se envolverem em crimes. Os atores podem cometer acertos e erros concomitantemente, visto que os primeiros não anulam nem impedem a ocorrência dos segundos.

Nesse sentido, diante dos indícios que estão vindo a público e que apontam para a suspeição do juiz na condução daquele processo de Lula, que ele, o juiz, seja imediatamente afastado do atual cargo público e que seja investigado. Se mantendo as suspeitas ou comprovando o ato, que ele seja julgado. Da mesma forma, diante dos indícios de que o processo não garantiu o direito à isonomia e à imparcialidade do juiz, que Lula seja libertado -  #LulaLivre - mas que, se mantendo as suspeitas sobre ele de ter participado de corrupção, que se reúnam as provas, que seja reaberto o processo e que lhe oportunize novo julgamento. Que para ambos os implicados sejam respeitadas e resguardadas as garantias constitucionais e das leis brasileiras, assegurando-lhes  a isonomia, o direito de legítima defesa, com comprovada imparcialidade do juiz, e a observação do princípio de “havendo dúvidas sobre a autoria do crime, que prevaleça a presunção de inocência do réu”. 


Finalizando com a reflexão induzida por um texto que apresenta uma parábola da montanha, todo alpinista que almejar atingir o pico da Grande Montanha deverá seguir as orientações e princípios presentes nas escrituras conhecidas e que vêm sendo respeitadas pelos alpinistas mais experientes, ao risco de se perder no caminho, mudar a direção, ficar dando voltas ao seu redor ou de ser picado pelo mosquito da vaidade, dando a si próprio o poder de definir onde será o ponto mais alto da montanha escalada.


 Luzia M. Cardoso



Nota: Todas as referências estão hiperlinkadas ao texto. 

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