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sábado, 21 de agosto de 2010

Super Herói Brasileiro (Por Emmanuelle Cristina da S. de Oliveira)


Super Herói Brasileiro 
(Por Emmanuelle Cristina da S. de Oliveira)


Super Mouse é mais um herói brasileiro, como eu e como você, que não foge das lutas cotidianas para conquistar o seu lugar ao sol, que na sobrevivência humana pode representar um tudo ou nada.
Nosso super herói têm 54 anos, é carioca, nascido em Juscelino, bairro de um município da baixada fluminense. Com esforço, conseguiu estudar até a 4ª série do primeiro grau. Em 1974, contando com 19 anos de idade ingressou em seu primeiro emprego. Sentia-se orgulhoso pelo trabalho como ajudante de caminhão num deposito de madeira. Nesse local ficou somente dois meses , devido ao Alistamento Militar, o dever de servir à pátria o chamava.
Ah, Quem dera que a Pátria tivesse essa mesma prontidão para com os jovens brasileiros.
Foram dez meses de atividades e apresentação uniformizada à nação. Terminado o tempo, não se manteve como militar, como a maioria dos jovens brasileiros, ele também não foi aproveitado. Super Mouse precisou se vestir novamente de civil e procura novo trabalho para o seu sustento.
Conseguiu outro emprego, agora como Auxiliar de Revelação de Fotos. Não sabia, mas poderia se considerar um cidadão de direitos, pois sua carteira era assinada, com direitos trabalhistas e previdenciários (e também não seria detido por vagabundagem caso tivesse diante de alguma blitz policial).
Nessa atividade permaneceu por dois anos e quatro meses. Já no inicio da década de 80, também como um cidadão de direito em trabalhando no mercado formal, teve a sua experiência utilizada, agora na empresa FUGGI, outro laboratório fotográfico, onde exerceu a função de Colector. Com seu salário conseguiu até comprar seu"fusca", que para ele era como se tivesse adquirido sua capa voadora. O carro ajudou o nosso super herói a ser promovido, passando a motorista da empresa, ficando no local por oito meses.
Sentindo-se forte e capaz, o nosso super herói ousou novos horizontes, procurou outros trabalhos, começou a “voar” em vários locais, para conseguir o um valor maior para adquirir outros bens, além de seu “queijo-de-cada-dia”.
Não escolhia trabalho, optava pelo valor do salário. Assim, tudo era válido.Ficou cinco anos em um prédio residencial, trabalhando como Zelador de Piscina; outros três meses foi trabalhar em uma firma de cereais fazendo entregas;em seguida, retornou para o trabalho anterior, no prédio residencial, na mesma função até ser promovido a Auxiliar Administrativo.
Podemos diz que Super Mouse se virou bem na década de 80, mesmo com todas as dificuldades que o país estava enfrentando: desemprego e emprego informal. Nosso super herói, durante todo esse período, não fez parte dessa cruel estatística. Mas a década de 90 chegou, junto o vilão Neo (Neoliberalismo) que, finalmente, venceu Super Mouse arrastando-o à perversa criptonita do desemprego.
Isso mesmo, depois de doze anos de intenso trabalho e contribuição previdenciária, nosso super herói foi demitido. Agora com 42 anos de idade e as perspectivas de emprego não são nada boas. Assim, no final dos anos 90, Super Mouse se viu nas linhas coloridas dos gráficos do desemprego. Não tinha outra saída para garantir o sustento seu e de sua família, composta pela esposa e quatro filhos. Começa no trabalho informal e voltar ser o provedor da casa, para não depender de seus sogros.
Nosso super heróis parecia reagir ao vilão Neo e compra uma barraquinha de pipoca para começar nova atividade com renda. Mas esse trabalho não deu certo. Tentou vender salgadinhos, e ficou feliz com os resultados, conseguia uma renda de até um salário mínimo por mês.
Os anos passaram e os inimigos continuavam atacando, não davam trégua: desemprego,inflação ... Eram necessários esforços para as batalhas de cada dia.
A cripitonita não vai embora mais perde força e em 2007. Super Mouse fica forte novamente e consegue retornar ao mercado formal de trabalho. Que vitória maravilhosa! E olhe que já tinha 52 anos de idade e mesmo assim teve, novamente, sua carteira de trabalho assinada. Agora trabalhava em um prédio, como antigamente. Dois anos se passaram, mas com tantos combates, o coração de Super Mouse não era o mesmo e, devido a um enfarto no miocárdio, precisou de uma cirurgia... Para tristeza de nosso super herói, encontra-se há dois anos em Auxílio Doença, pela INSS.
Saberemos agora como foi à vida de seu pai, que faleceu há 16 anos com 73 anos, nasceu em Cascadura, Rio de Janeiro, começou a trabalhar cedo, com uns 14 anos, na década de 40, Brasil oferecia bastante emprego, e as leis trabalhistas estavam nascendo, mas não para o pai de super Mouse, que era mecânico informal e assim perdurou por quase toda vida. Não se sabe seu grau de estudou, quando casou sempre viveu de aluguel, até foi cedido pela sogra viúva a metade da sua casa alugada para criar seus filhos, só teve sua casa quando seu filho mais velho o comprou, quando adulto. No ultimo emprego de mecânico, mais ou menos no inicio da década de 80, conseguiu sua carteira assinada, foi quando sofreu um acidente, uma fagulha bateu em um de seus olhos, cegando-o. E sabe aqueles direitos trabalhistas que viu nascer e se desenvolver, agora desfrutava dele, foi do INSS que se sustentou até falecer, mas não conseguiu deixar a pensão para esposa, como será que ela conseguiu sobreviver?
A mãe de Super Mouse, faleceu há 12 anos, com 68 anos, sempre do lar, teve como profissão cuidar dos filhos e esposo, mas esse cuidado teve retorno, pois como não tinha heranças nem por parte de pais e nem pelo marido, foram os filhos que a manteve até o fim de sua vida. O pai dessa super mãe nada se sabe, e sobre os avós paternos do super herói a única coisa que lembra é que são daquele planeta que no século XVI invadiu o planeta Brasil e foi um dos grandes responsáveis por todas as lutas que passou nosso herói, onde hoje com seus 52 anos mesmo com toda trajetória de trabalho, como seu pai, não conseguiu até o momento nenhum imóvel, nenhum bem material, nenhuma recompensa por todas as batalhas vencidas. O seu máximo foi construir uma casa no quintal dos sogros onde vive há 18 anos.
Sabemos que a força não é mais a mesma, mas os combates não cessam, por isso Super Mouse não pode entregar-se e mesmo com menos vigor e como o malvado sistema tentando matá-lo de fome, de desgosto e desesperança; ele precisa continuar em frente, pois se ele parar de voar o sistema pega ele.

Por Emmanuelle Cristina S. Oliveira

(Esse conto é parte integrante da monografia intitulada
"A TRAJETÓRIA DE TRABALHO DOS BENEFICIÁRIOS PROVEDORES INSERIDOS NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E SEUS ANCESTRAIS ATÉ A SEGUNDA GERAÇÃO" )