Obra licenciada por Creative Commons

Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons.

domingo, 27 de março de 2016

COXINHAS E PETRALHAS, CIDADÃOS DE UMA MESMA NAÇÃO



Hoje recebi uma mensagem de uma amiga... Uma amiga que carrego no coração e por quem tenho tão boas e belas memórias. Uma amiga cujo tempo nos distanciou.
Há muito que não encontro essa amiga. Há muito que não nos contatamos no mundo real, embora tenhamos notícias, uma da outra, pelo espaço virtual.
Embora fisicamente afastadas, tenho certeza que nos aproximamos pelos pensamentos afetuosos que nutrimos e que remetemos uma para a outra.
Hoje, porém, ao abrir a minha caixa de e-mail, fui surpreendida por uma mensagem dessa minha doce e tão estimada amiga. E para a minha surpresa, a mensagem se fazia pelas letras de um artigo publicado hoje e escrito por um conhecido colunista de um grande jornal.
Apesar da Páscoa e de vários temas que poderiam ser remetidos à data de hoje, o artigo do colunista tratava do contexto político brasileiro.
O colunista fizera um texto usando um discurso apelativo, dirigindo-o a amigos que pensam de forma diferente o contexto político brasileiro.
Esse colunista, em seu discurso permeado de chantagem emocional, afirmava ser real um muro imaginário que antagoniza e aparta cidadãos dessa nossa mesma nação.
O colunista, em seu texto dominical, afirmava a existência do muro, e também afirmava que o tal muro separa coxinhas de petralhas. O colunista reforça, assim, a existência desses dois atores: coxinhas e petralhas. O colunista faz com que se creia, enfim, na rivalidade entre um e outro.
Mas se o colunista afirma o falso muro, ele omite algo importante. O que o colunista omite quando fala do muro, é o sujeito que se relaciona ao verbo, ao verbo erguer.
Antes de continuar, contudo, deixe-me separar o colunista de minha amiga. O colunista tem como tarefa escrever artigos e, para tanto, recebe um valor em dinheiro. Se o artigo destina-se a um determinado jornal, se o dono do jornal defende a existência desse muro e se o dono do jornal (o comprador do produto\artigo) se posiciona de um lado desse tal muro, evidentemente que, para que o artigo\mercadoria do colunista seja comprado e publicado ( e para que ele receba o valor devido), a defesa do muro e a defesa de um dos lados estão aí impostas.
Já a minha amiga, não. A minha amiga foi tocada pelo texto que lhe reforça a crença na existência do tal muro. A minha amiga, envolvida pelo discurso do colunista, ficou emocionada e, assim, sentiu-se representada pelo colunista e enviou-me o seu artigo.
Contudo, o texto não foi escrito por essa minha amiga. O texto foi escrito por um colunista de jornal que, para ganhar adeptos às suas ideias, conduz o leitor (por meio da emoção) a não só acreditar na existência do muro, mas também a se sentir por ele apartado de alguns de seus amigos. E mais, o que é mais perverso no autor do artigo, o texto faz com que se creia que os amigos estão de lado opostos. E se estão de lados opostos, o texto leva o leitor a crer que os que estão do outro lado do muro não são mas seus amigos, mas, agora, são seus inimigos.
Abro um parênteses para falar à minha doce amiga... Ou melhor, falar às minhas doces e aos meus doces amigos que acreditam na existência desse muro, forjado com lentes daltônicas e que rivalizam os sujeitos:
- Minhas doces amigas, meus doces amigos, se defendermos, juntos, o direito à diversidade, nenhum muro se manterá entre nós.
Volto, então, ao colunista e ao seu muro, perversamente imaginado e detalhado por ele, e me pergunto:
- Para que vem esse muro?
- Quais são os alicerces que o sustentam?
- O que pretende quem o ergue, pinta e o aponta?
- E se há muro, quem determina quem fica de um lado e quem fica do outro lado desse muro?
E aí, eu fico, cá, a incomodar os meus botões:
- A que vem esse artigo que, mexendo nos sentimentos mais preciosos da amizade, reforça um muro imaginário, colocando em confronto amigos que, neste momento da conjuntura brasileira, fazem análises diferentes?
- A que vem um artigo que, em vez de mostrar os pontos em comum entre os que, hoje, erguem a bandeira brasileira e aqueles que levantam a Constituição, induz-nos a crer haver apenas um lado que, verdadeiramente, defende a nação brasileira?
E, por fim, fico cá refletindo, com os meus botões, sobre uma provocação feita por uma doce e inteligente jovem:
"Que relação existe entre o coelho, os ovos, o chocolate, o domingo e a ressurreição de Cristo?"


Luzia M. Cardoso 
RJ, 27\03\2016