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sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Mistério de Mr. Blue - Parte I

Numa bela tarde, emoldurada pelas flores que insistiam em desabrochar naquele início de outono, quando as calçadas já se faziam colorir pelas folhas que, delicadamente, caiam das árvores, Scarlet notou algo diferente no vilarejo onde cavalgava. Em todos os lugares que passava, via uma intensa luz de coloração azul. Nunca havia ocorrido aquilo antes, não com aquela frequência.

Scarlet gostava de desvendar os mistérios, principalmente aqueles próprios do mundo masculinos e o fazia desafiando-os a duelar naquilo que o local produzia.  Devido a isso, ela ainda respondia às provocações do contista, e seu corpo apresentava as marcas dos arranhões do último embate. Também com o cordelista que a desafiou ao galope e, seduzida pela novidade, Scarlet ainda sentia as dores da queda que teve com a última cavalgada.

Mas não parava, desafios, enigmas, mistérios era o que marcava a sua personalidade e que a levava a criar, a viver ... Assim, aquele cavaleiro que chegava era algo desconhecido, pois não se sabia, ainda, o que o moço fazia, de onde vinha, quem era... Não se sabia se ele vinha do norte, ou do sul. Ou mesmo se era imigrante ou extra-terrestre. Poderia ser também um anjo, vindo expiar do céu. Quem saberia?

Atenta ao que observava, viu, ao longe, um vulto que caminhava sem compromisso. Chegou assim, misteriosamente, envolto em espessas brumas. A névoa que envolvia o enigmático cavaleiro parecia sair de seu próprio corpo, impossibilitando a qualquer pessoa conhecer os seus traços e mesmo sua idade. Ele se fez logo notar, devido à sua educação requintada, ao estilo dos nobres cavaleiros medievais.

Mr. Blue entrou na comunidade cumprimentando a todos, com gestos meticulosamente estudados e elegantes. Apenas à amazona, deliberadamente, evitou.

Scarlet, com olhar sagaz, seguia-o, querendo decifrar-lhe, tal como se espera fazer diante de uma esfinge: Decifra-a ou te devora!

O cavaleiro misterioso trajava vestes escuras, coerentes com a fantasia que parecia querer provocar. Na cabeça, um chapéu de abas delicadamente dobradas, caindo sobre o seu rosto, escondendo os seus olhos. Mr. Blue parecia ser alto, magro, com fortes e rijos músculos que se denunciavam sob as finas fibras de suas vestes. Tinha cabelos longos, amarrados à moda indígena.

Mas, parecendo não combinar com a personagem Mr. Blue trazia um violão no ombro e uma caneta de pena no bolso. Quem era a figura misteriosa? Indagava-se a amazona.

Scarlet não conseguia deixar o tempo ao tempo. Não! Era por demais impulsiva a ariana. Num galope rápido, pôs-se a buscar o cavaleiro que já havia desaparecido como fumaça, nos poucos minutos daquele espaço. Não havia no local nem mais a tinta azul de sua caneta, com a qual fazia questão de se apresentar.

Sem se deixar abater, Scarlet continuou a galopar e... Ei-lo, estava lá! Descansadamente recostado a uma das paredes do Canto, com uma das pernas levemente cruzada sobre o joelho da outra, com a viola na mão e um leve sorriso que arqueava, sutilmente, os cantos de sua boca e que parecia dizer: Eu sabia que tu não aguentarias de curiosidade!

Freando seu alazão, Scarlet posicionou-se frente à frente a Mr. Blue, mirando-o, fulminantemente, nos olhos, mas nada conseguia desvendar, nem mesmo a cor daquele olhar escondido por uma grossa camada de fumaça.

Scarlet tinha escolhido o formato de sua aproximação. Buscou um estilo mais agressivo, próprio aos cabras machos do nordeste brasileiro. Insistente, a moça, pegou para si as chaves da cidade, e como exímia trovadora, cumprimentou-o.

Estava deflagrado o duelo. Evidentemente, haveria um confronto entre duas cores tão fortes e intensas. Entre gêneros tão bem delimitados. Entre esgrimistas muito bem treinados.

Apesar da provocação, calmamente, Mr. Blue lançou mão da viola e, num tom grave e sereno, aumentou a espessura da névoa que produzia sobre si e declamou um lindo soneto em resposta, mantendo-se ainda mais oculto.

Esperto! Pensou Scarlet. Ele selecionou o soneto, que é próprio ao mundo feminino e que não revela o real, como o cordel, mas brinca com o imaginário, com as figuras, com os múltiplos sentidos das palavras.

A Amazona logo percebeu que tratava-se de um oponente forte, principalmente quando, tal qual a maioria das moças da cidade, diante de fato não previsto, sentiu sua tez ainda mais colorida, denunciando que fora pega de surpresa. Balançou, com discrição, um tanto quanto sem graça, um aceno com sua cabeça.

Percebeu a necessidade de sair em retirada e de estudar, de longe, os passos do cavaleiro para descobrir a que veio, o que melhor fazia no Canto e quem era. Assim, num único trote, e sem nem mesmo se desculpar, ela desapareceu.

Mas as perguntas não foram respondidas:

Quem é Mr. Blue?

Conseguirá Scarlet desvendar os segredos do misterioso cavaleiro?

Essa história teve um começo... E agora? Qual será o desdobramento?
... Aguardem!




O Mistério de Mr. Blue - II Parte

Era um final de tarde com um pôr-de-sol deslumbrante, enchendo o céu de riscos em tons coloridos e uma grande esfera de fogo que, lentamente, se apagava por detrás das montanhas, deixando a vegetação numa coloração azul magenta.

Scarlet estava no Coffee Drink do Canto junto com mais duas amazonas, suas amigas, Laurence e Agnes. O assunto do dia era o enigmático Mr. Blue.

De repente, adentra-se ao local o próprio. Vinha num caminhar lento, ao estilo do cowboy norteamericano, texano. Continuava envolto em névoas que se apresentavam menos densas, naquele momento, mas ainda não permitindo a percepção de seu rosto.

Nos dias subsequentes ao primeiro encontro, Scarlet deu-se à tarefa de investigar o estrangeiro pelos arquivos da cidade. Pôde descobrir que ele se empregara como aprendiz nos ofícios da região.

Isso era por demais intrigante, pois logo nos primeiros momentos do dia em que se conheceram, Mr. Blue já tinha demonstrado habilidade de artesão bastante experiente. Por que, então, se inseria na comunidade de forma tão humilde? Pensava.

Scarlet já traçava um esboço do perfil psicológico e cultural de Mr Blue: excelente poeta, e se não a respondeu com trovas ou cordel no dia da primeira apresentação é porque não se trata de pessoa vinda do norte ou nordeste do país. Parece ser muito culto, com tendências à erudição, hábitos refinados, próprios à uma educação esmerada. Com certeza, Mr. Blue vinha com os ventos do sudeste, no máximo do sul.

E dando prosseguimento à sua proposta de desvendar os mistérios de Mr. Blue, continuou a amazona com suas divagações: provavelmente estudou em escola com uma disciplina rígida, conforme a proposta de edução de sua família, talvez de orientação religiosa. Nesse sentido, não fazia parte das gerações posteriores às da década de 70. O fato de demonstrar sua opção por sonetos, um dos estilos mais românticos da poesia, e que impõem rigidez na métrica e na rima, talvez aponte para traços de melancolia e solidão.

Mas, retornando ao Coffee Drink, Mr. Blue entrou e cumprimentou as amazonas com um gentil aceno, elogiando a exposição de cada uma na Galeria Literária do Canto.

O Canto era conhecido internacionalmente por seus recitais e saraus. Lá, os moradores eram escritores, dos mais diversos estilos. De literário à técnico. Assim, os cavaleiros e as amazonas também escreviam, além de outras atividades próprias a uma comunidade. A Galeria Literária era o maior tesouro do Canto, pois lá, poetas, poetisas, contistas etc se apresentavam  e expunham seus textos  ao público.

Scarlet percebeu que Mr. Blue parecia um tanto inquieto nesse dia. Foi breve nos cumprimentos e saiu apressadamente. Antes, porém, entregou o soneto, com o qual respondeu a Scarlet, à Galeria Literária.

Esse comportamento elegante, ao mesmo tempo austero e firme atraía a atenção das amazonas, que o seguiam com seus olhares. Bem como dos homens da região, que ficavam a conjecturar.

Após sair do Coffee Drink, não se viu nem se ouviu mais Mr. Blue nesse dia. Novamente, desapareceu por entre as brumas que criava.

Depois de horas com as amigas no Coffee, Scarlet montou em seu alazão e saiu a cavalgar, como era de seu hábito. Gostava de apreciar a região, de conversar (e provocar) os cavaleiros, e fez uma pausa junto ao contista Roberland.

Em dias atrás, Scarlet chegou a deixar o contista sem rumo, devido aos questionamentos que lhe lançava. Evidentemente, com consequências para a moça, pois o contista também era experiente na esgrima das letras. Nos embates, ele sempre derrubava Scarlet, que saía fingindo ter sido apenas um acidente.

Na verdade, Roberland e Scarlet construíram uma forte amizade e nutriam, um pelo outro, sincero afeto e respeito. Talvez por brincadeira, expunham um relacionamento cheio de nós e tensões, que muitas vezes levava a uma verdadeira irritação, aflorando intensas emoções.

Logo despediu-se de Roberland, continuando com a cavalgada. Trote calmo, admirando cada ponto do Canto. Gostava de olhar as flores cultivadas por Gérard, um poeta nordestino com quem tentava aprender o cordel galopado.

Scarlet também era uma mulher misteriosa, embora revelasse mais sua natureza audaciosa. Mas, pouca coisa se sabia ao seu respeito, inclusive os duelos que provocava fazia com que os moradores levantassem inúmeras hipóteses sobre a amazona, bem como acerca de suas intenções.

Montada em seu cavalo, Scarlet estava completamente entretida com a natureza do Canto quando ouviu um pedido de socorro. Uma voz grave, masculina e que solicitava ajuda. Scarlet correu como luz na direção da voz. Pôde avistar um grande buraco escuro e sabia ser frequente as quedas ali, pois quem não conhecia as manhas daquele relevo, certamente despencaria.

A moça aproximou-se do buraco, mas não conseguia enxergar nada, devido a uma densa nuvem de cor branca acinzentada. Tentou circundar o local para ver se via alguém e longe, muito longe, ouviu uma voz abafada, parecendo em sofrimento e que gritava: Me ajude, caí aqui e não sei como sair. Estou imobilizado...

Scarlet percebeu que se tratava de Mr. Blue. Preocupou-se a amazona, pois o bueiro era por demais profundo e as brumas que envolviam aquele cavaleiro iriam dificultar o auxílio. Precisava, entretanto, salvá-lo, apesar daquela situação adversa. Sabia que sozinha, não poderia trazê-lo de volta. Scarlet tentou orientar Mr. Blue a sair do bueiro. Conhecia um pouco as paredes de acesso, já que como outros estrangeiros, também caíra ali. Scarlet não teve êxito e saíu num galope único a fim de providenciar socorro.

Num piscar de luzes, Scarlet voltava com as amigas Laurence e Agnes, trazendo nas mãos uma maleta com ferramentas da microsoft. Feminista como era, Scarlet não iria pedir ajuda aos homens, então, chamou as duas amazonas.

Ao se aproximarem do bueiro, Scalert teve um grande susto, pois as brumas se dissolveram e um silêncio enlouquecedor se verificava. As três amazonas entreolharam-se como quem advinha o que ocorrera.

O que será que aconteceu com Mr. Blue?

Conseguirá Scarlet ajudar o cavaleiro misterioso?

O moço conseguirá ocultar o seu rosto durante o socorro?

O perfil que a amazona traçou sobre o misterioso cavaleiro corresponde à realidade?

O que levou um artesão experiente a se apresentar como aprendiz?

E Mr. Blue, como será que ele reagirá às novas provocações de Scarlet?

 

Por Luzia

 

O Mistério de Mr. Blue - III Parte


Anoitecera. A lua cheia, tal qual dama da noite, lançava sobre o Canto um enebriante aroma que a todos envolvia. Os habitantes estavam eufóricos, uma forte excitação parecia contagiá-los. Era inexplicável o que estava acontecendo no vilarejo, nunca algo movimentara tanto o local. Na verdade, antes, era uma pacata comunidade, onde cada morador fazia o seu ofício individualmente e, de quando em quando, ocorriam festejos que mobilizavam o conjunto dos escritores. 

Mas desde que Scarlet mudou-se para o local ele começava a tomar uma sonoridade diferente. A amazona queria conhecer tudo e a todos, não se conformava em apenas fazer aquilo que já sabia. Não, muito pelo contrário, queria experimentar novidades e buscava satisfazer os seus desejos e curiosidades.
Àquela noite, no entanto, tirara o sossego da amazona... Sim, estava preocupada com Mr. Blue...
Scarlet já o tinha avistado no vilarejo após o incidente da tarde. O cavaleiro conseguira sair do buraco onde caíra. Mas, como? Perguntava-se Scarlet. Provavelmente seguiu as orientações que tinha dado, durante o  intervalo de tempo em que buscava auxílio junto às amigas. Pode ser. Mas, não era esse o fato que estava deixando a moça enlouquecida. Enlouquecida, não! Scarlet estava, na realidade, enfurecida!!!!!

O duelo estava deflagrado entre a amazona Scarlet e o cavaleiro Mr. Blue e este lançou mão de armas que Scarlet odiava. 

Homens!!!!!!!! Pensava. Inquietantemente balançava a cabeça de um lado para o outro. Mr. Blue jogou o confronto literário para o campo da sedução... Uma armadilha própria de guerreiros experientes...

Era hora de reavaliar a situação, de rever suas estratégias e de não perder de vista os seus objetivos: desvendar o mistério de Mr. Blue. Scarlet sabia que alguns guerreiros e guerreiras utilizam-se da sedução para desnortear o oponente e, ao mesmo tempo, permanecerem à sombra, deixando-se cada vez mais ocultar pelos devaneios do outro.

Irritada, Scarlet tentou reavaliar o perfil que havia desenhado sobre Mr. Blue: culto, sagaz, experiente, excelente esgrimistas em letras, poliglota (?), bom estrategista e... galanteador... (!!!!!!)

Sabia que aquele perfil atrairia as amazonas da região. Numa batalha com aquele cavaleiro, ela dificilmente contaria com a adesão das companheiras, pois ele manejava muito bem suas armas. Estava, então, sozinha naquela luta.

Mr. Blue concordou com o campo de confronto: o conto. Ele podia ter recorrido à poesia, pois dominava tanto os sonetos quanto o estilo mais livre e moderno... Mas, não. Parecia ter uma essência semelhante à de Scarlet e não fugiria ao desafio lançado por ela. Cavalheiro que era, tampouco pediria para trocar o campo ou as armas, as quais, com certeza, já havia estudado detalhadamente: um conto permite o uso de figuras e apresenta uma variedade de recursos que podem ser utilizados durante a esgrima, além de poder lançar mão da própria fantasia e manipular a da oponente com maior liberdade. Imaginava-o a amazona.

Preocupada, Scarlet percebeu que precisava ganhar tempo e reencontrar o seu eu interior para não perder o foco do duelo. Como ninja, sentou-se em posição de lótus, entoou um mantra e deixou-se levitar.

O vale ficou em silêncio enquanto caía uma fina garoa, em tons prateados, revigorando a relva e intensificando o perfume do luar.



E agora? Quais serão os rumos desse embate?
Teria Scarlet resolvido fugir para alguma estrela?
Ou será que a amazona foi buscar forças na chama violeta?
Como reagirá Mr. Blue frente a essa situação?


Por Luzia


o Mistério de Mr. Blue - Última Parte


No inicio da noite Scarlet havia se retirado espiritualmente do vilarejo, utilizando-se da prática do ioga para levitar. As emoções que experimentara durante aquele dia eram fortes demais para aquela amazona que não estava preparada para receber tamanha carga energética que lhe fora endereçada.

Ainda durante o transe, Scarlet sentira-se como tomada por uma forte luz que parecia ter vontade própria e que a guiava ... conduzindo-a a um amor inexplicável. Ela já não mais tinha controle sobre o próprio corpo, seus movimentos, seus desejos... Tinha a impressão de estar vivendo uma relação intergaláxica.

Estava assustada. O que acontecia? Por mais que tentasse uma explicação racional para tal sensação, não achava uma resposta que pudesse aceitar. Nada fazia sentido. Não controlava mais seus pensamentos, seus sentimentos... Ondas intensas de calor tomavam-lhe o corpo, abrasando-o completamente e estava bastante confusa...

Scarlet buscou reunir todas a suas forças... Tudo estava muito difícil para a amazona. Não sabia mais como proceder... Sua segurança foi embora...

A noite terminava chuvosa e Scarelt ficou a contemplar as gotas d'água escorrendo pelos vidros de sua janela. Apesar da chuva, podia notar a luz da lua que insistia em cintilar prateada, atravessando as nuvens carregadas. Esse cenário pegava para si o controle da vontade da amazona.

Guerreira, percebia que estava vencida... E pensava: tudo ocorrera após brincar com um cavaleiro desconhecido, de intensa luz azul, cujo corpo não sabia se era matéria ou brumas e que...

Scarlet precisava se restabelecer, pois desafiara Mr. Blue para um recital na Galeria Literária. Quando o fez, a moça apenas queria conhecer o enigmático estrangeiro, pois acreditava que ele se escondia e que era um escritor dos mais competentes e criativos. Não intuia só, ela o via, apesar de o mesmo ficar atrás da espessa fumaça que insistia em lançar.

Contudo, Mr. Blue, antes mesmo do duelo literário com a amazona, já tinha se socializado no vilarejo, mostrando algumas de suas produções e todos já o estavam admirando. Não havia mais, portanto, um mistério a ser desvelado. O próprio Mr. Blue, sabendo das intenções da amazona, tratou logo de desnudar-se.

Mas o colóquio estava marcado e todos aguardavam a ambos na Galeria Literária, logo no ocaso do dia que nascia. Scalert não poderia faltar. Ficara de apresentar um conto e já havia produzido parte dele, devendo, pois, finalizá-lo.

Que desfecho daria?

Durante todo o restante da noite, Scarlet se empenhava em terminar sua história. Sofria para combinar cada palavra e dar uma sequência lógica ao seu texto. De repente, por uma fração de minutos, acreditou ter recebido uma espécie de pedido... um apelo maravilhoso... irresistível... uma súplica... Achou que estava delirando, visto que sua temperatura já ultrapassava 39º.

Sim. A amazona ardia em febre, embora ela ainda não percebesse, pois estava entorpecida com a viagem e a relação extracorporal que  viveu quando tentou meditar. Além do fato de querer se desvencilhar, o mais rápido possível, daquele compromisso que ela mesma inventara. Tola! Pensava.

Scarlet relembrava cada detalhe do encontro com Mr. Blue: quando ele chegou  no Canto; quando caíra no bueiro e, sobre isso ela recebeu informações que ele havia conseguido escalar as paredes e sair sozinho. Evidentemente, pensava orgulhosa, após seguir as orientações que ela mesma tinha dado antes de sair em busca de ajuda. Lembrou que ficou enlouquecida quando deparou-se com o cavaleiro no vilarejo e que ele pareceu despi-la com o olhar. Foi nessa hora que, impulsivamente, o informou que ambos deveriam apresentar um conto na Galeria Literária até o final da tarde do dia seguinte, e que o leriam para a plateía. Mentiu quando lhe disse que naquele vilarejo todo recém-chegado deveria assim se comportar. Nesse momento, completou que ela mesma tomara a liberdade de marcar o dia e o horário do recital e que, para que não o fizesse sozinho,  ela se prontificou em apresentar também um conto de sua autoria.

Scarlet agora percebia que se deixou conduzir por seu temperamento desafiador. Talvez tenha feito isso por ter vontade de se aproximar daquele misterioso cavaleiro, que certamente lhe havia chamado a atenção. Ou talvez porque não soubesse como fazê-lo de forma diferente. Ou ainda porque tivesse medo que a ignorasse. Talvez... talvez...

Apesar das inumeras suposições que possam ser aqui levantadas, o certo é que Scarlet também assumiu um compromisso na Galeria Literária e teria que terminar o seu conto.

Enquanto relembrava a situação, vinha à mente da amazona um ditatado que ouviu algum dia: “Io no creo em las brujas, pero que ellas hay, hay”. E sorriu, diante do inevitável.

Scarlet resolveu sentar-se e terminar o conto... Depois de muitas horas e vários parágrafos deletados, ela conseguiu por um ponto final à história que escrevia. O dia já amanhecia e, por ironia, um céu azul límpido se revelava. A aurora brilhante invadia a casa da amazona e os primeiros raios de sol iluminavam o seu rosto. Abriu a janela e a brisa da manhã soprou-lhe pétalas de flores. Fechou os olhos e pôde senti-las percorrendo e deslizando suavimente por cada parte do seu corpo. Eram pétalas perfumadas e de flores diversas, de várias cores e que a envolviam num lindo arco-íris.

De repente, ao abrir os olhos, Scarlet viu que do meio do arco-íris de pétalas a cor azul se desprendia, materializando-se a sua frente, adquirindo a forma de um homem alto, magro, viril e que a conduziria ...

Fim

 

Por Luzia

 

Sonho?

Raquel passava horas em seu pc, escrevendo os textos que depois seriam publicados em livros impressos. Mas, o tempo que permanecia frente ao monitor não se justificava apenas no trabalho. Não, não. As respostas estavam em outro lugar.
A primeira década do século XXI apresenta muitas mudanças.Tudo parece ser possível. E era justamente as perspectivas da ciência e da microeletrônica que mais fascinavam Raquel. E assim, num determinado dia, depois de fechar mais um de seus contos, Raquel pôs-se a fitar o monitor. Acessou a Internet. Entrou na mesma sala de bate-papo onde sabia que o encontraria. Raquel sentia uma virtual atração por esse moço, que parecia-lhe uma pessoa ensimesmada, triste, quieto... E isso a atraia.
Já na sala de bate-papo, não se manifestou, nem mesmo logou, ficou a  observar cada participante do grupo, inclusive o seu virtual platônico amor.
(- Nunca pensei nessas possibilidades afetivas, virtuais. Acho que nem Platão, já que preferia a contemplação... Mas, deixemos essas divagações de lado.Voltemos à Raquel.)
Estava, então, virtualmente na sala de bate-papo e, materialmente, diante de seu pc, fixando o monitor. A tela azul, a luz intensa, brilhante... Do outro lado, aquele que desejava encontrar.
Com o olhar cada vez mais atento, identificava cada ponto luminoso que dá forma a esse mundo virtual. Seu desejo crescia, tomando todo seu corpo. Sentiu um calor indescritível percorrer-lhe a medula. Um fogo subir pelas costas, até a nuca . De repente, como por mágica ou encantamento, seu corpo foi se transformando em feixe de luz. Uma luz azul, intensa, de luminosidade estonteante.
Radiante de alegria, Raquel logo percebeu as inúmeras possibilidades de formato que um feixe de luz pode adquirir, bem como a velocidade de seus movimentos. Não teve dúvidas, reduzida ao tamanho de um pixel, entrou pelo monitor, numa viagem louca, colorida e alucinante... Enfim, lá estava, frente a frente ao amado.
Espandiu-se, iluminando todo o seu rosto, cada parte de seu pescoço, ombros, nuca, descendo levemente por toda as costas... Aconchegou-se ao corpo do amado. Pode sentir o seu calor... seu perfume... as pulsações... a respiração ofegante... o suor que escorria...
Ele nada entendia daquelas novas emoções, mas deixou-se levar pelas ondas de calor e sensações luminosas a percorrer-lhe cada celula, cada músculo, cada membro...
Raquel já estava completamente fundida ao amado, que já não controlava mais os movimentos e as ondas  que corriam em seu corpo, e que se alargavam, dominando-o.
Raquel também não tinha mais controle de nada. Uma onda cósmica determinava todo aquele louco movimento, que aumentava como um oceano agitado, alternado com momentos de calmaria. Passaram horas nessa magia, quando, enfim, desfaleceram.
Com os primeiros raios de sol a descortinar a noite, Raquel levantou. Ainda esgotada pelo amor. Tentou juntar alguma força para refazer-se. Conseguiu organizar o pouco do que restou de seu etéreo ser. Logo correu, na velocidade da luz. Jogou-se, tonta e cansada, na tela do pc...
Desmaiou em sua cama, enquanto, do outro lado, o amado permanecia também desmaiado em qualquer outro lugar do planeta.
No dia seguinte, ambos acordaram felizes e refeitos tentando lembrar de cada detalhe daquele encontro que acreditaram não ter passado de um excitante e agradável sonho.