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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Contando em tranças





Contando em Tranças






Luzia M. Cardoso


Um sonho... Um momento... Um tempo... Um tempo que ficou para trás. Hoje, são páginas viradas, amarelas, dobradas, largadas... Não mais as vi, nunca mais as li. Mas se fecho os olhos, busco profundo, bem lá no fundo, logo eu as vejo, e as releio. Linha a linha, revendo, relendo, lembrando de tudo o que tinha. Estão todas lá, naquele lugar, e é só folhear.

Capa brilhante, dançante. Desenhos multicor, radiantes. Meus olhos ávidos seguem loucos para olhar. Penetram em contos, cantos, recantos, tantos encantos. Encanto-me! Com atenção, é plena a identificação, e só há uma razão: é muita emoção.

Caio no lago. No lago da vida. Vida do cisne feioso, perdido, manhoso... Que foi logo adotado, adotado por patos.
- Cisne criado por patos!
Poderiam ser marrecos, naquela lição. Lá, havia uma lição, uma lição de amor, e mostrava a dor, ambos moldados, as vezes soldados no chumbo...
- Ah, o Soldadinho de Chumbo!
Era diferente, moldado sem perna, ficava parado, ali parado, paralisado, e apaixonado.
- Pela bailarina menina.
A bailarina, pequena dançarina, rodopia, roda, roda, gira, gira e roda, mas apenas roda.
- Que sina!
Soldadinho e bailarina, ambos parados, moldados, amarrados nas manhas da solidão, entram em nuvens de paixão.
- Queima coração! Que aflição!
Um coração partido vira coração bandido, coração de chumbo... Coração de vidro, frio, não pulsa.
- Não, não pulsa, não.
Só bate e rebate. Rebate e bate. Bate e rebate. Não sente que sente. Não sente que sente que dói sua dor.
- Não, não dói sua dor.
Sua de dor. Suado na dor.
- Suado, sofrido, sente também a dor.
Não sente que dói, e sua de dor.
Frio, prendeu a poesia, por tantos dias: Na gaiola, o pássaro caçado... Foi parar lá, maltratado; No aquário de águas turvas, esquecido, deixou o peixinho dourado... Também mal cuidado.
- Coitados!
Trancados em paredes cinzas, insalubres...
- Não resistem!
Mas insistem, persistem... Insistem e persistem... Insistem, persistem, ... E desistem...
- Desistem.
O pássaro ferido e o peixinho largado partiram, passaram... Ambos jogados no ralo, na cova rasa do quintal, escombro outonal, que mofa nas sombras escuras da velha casa, agora assombrada.
- Havia uma árvore naquele lugar.
Vejo lá uma árvore. Uma árvore plantada por pequeninas mãos. Germinada nos sonhos e sorrisos tão frescos. Desde então, cresceram juntos, a árvore e o dono das mãos.
- Tornaram-se grandes e fortes...
Veias e sulcos. Pulsos que pulsam, pulsam os pulsos, pulsos, impulsos, pulsam, impulsos, pulsam, pulsam. Sangue e seiva pulsam, formam, dando forma à grossa casca.
- A casca é grossa para as tempestades.
Também para as secas e ventanias...


Até que um dia, sem ter motivos, a mão pegou a serra elétrica para tocar...
- Sem ter motivos, ela foi tocar.
Tocou as cordas do velho tronco, desafinando também as notas.
- Noto, insistente, as notas tortas.
A serra seca, serrando toca, tocando serra. Toca e serra, toca e serra, toca seca. Seca serra, serra, serra, e já há serra naquela terra que tudo encerra.
O sol esquenta fervendo a água, escalda o sangue, derrama a seiva...
- Em ebulição.
A serra segue, serrando o tronco, tocando a corda com seus acordes...
- Estridentes, persistentes...
Persistente, a mão não sente.
- Não, não sente, não.
A mão na serra, serra na mão. Na mão a força, a pulsação. Pulsando manda, manda e desmanda no coração. 
Serra e toca, toca e serra, cordas e tronco, fio a fio, serra e desfia com a própria mão.
- Destronca o tronco...
A serra forte já serra os olhos, e cega o homem com o pó do tronco. Suando,  serra, segura e serra com a serra elétrica. E sua elétrico, quebrando as frágeis cordas com um puxão.
- Partiu o tronco...

Partiu o tronco. Caiu com a copa, quebrando ovos, fazendo inverno em tantos ninhos do jatobá. Copa e tronco, ninhos e ovos, e os galhos secos do jatobá... Todos no chão... Tristes, mortos, todos lá, calados, machucados, caídos no chão. Foi tudo em vão.


- Roda pião, faz calo no pé, pedindo atenção.
E jorra a seiva, orvalha e jorra a seiva rubra. Brilha vermelha, na terra inteira.
- A terra avermelha, molhando o barro.
O barro pulsa, a seiva pulsa, tudo é vermelho, pulsando a dor. E a dor lancinante  expulsa a seiva,  que pulsante brota, expulsando a dor.
- Pulsando expulsa também a dor.
Pulsa e escorre. Pulsa e encolhe. Pulsa e expande. Expande e encolhe. Pulsa e escorre, escorre e expande... Pulsando forma um ribeirão.  Escorre  e expande, pulsando breve, faz-se afluente do velho riacho. 
Molha o sanhaço, pintando a arara, aos reclames do uirapuru, que emocionado, à cabeceira do ribeirão, recolhe, no canto, um canto tão fino, um canto menino, lançado e esquecido nas primeiras primaveras.
E em revoada, a passarada, atordoada, forma uma roda. Voando em roda, gira a roda... Dá meia volta, e volta e meia, a roda gira inteira. Roda a roda.
- A passarada dá muitas voltas...
Dá muitas voltas a passarada, e as nuvens passam em toda a estrada...


- Roda a roda, e a roda gira, segue e gira, mudando tudo, movendo o mundo, e todos giram. Renova o ar.
A noite cai num pranto escuro, ao som da mata, que lamenta quem mata. E a água rola a pedra solta, descendo enrola também as outras. A água rola, descendo as pedras, por entre fendas e grutas escuras.
- É a cachoeira!


E a água segue, rolando, desce, cai em cascata.
- E gira a roda...
A água menina, de saia rodada, espuma a renda, e sobe o toco do velho tronco do jatobá. Estufa o leito, escolhe as notas, entoa o hino, e num solo triste canta o adeus.



Luzia M. Cardoso
Conto, foto e edição
RJ, 28 de dezembro de 2010 


Referência aos contos de Hans Christian Andersen e José Mauro de Vasconcelos, (Coração de Vidro), ambos citados de memória.


Efeito em glitter: http://www.scrapee.net 


  Conto selecionado para publicação pela CBJE, "Contos de Aurtroes Contemporâneos, 2011.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Simpatia no Réveillon

Simpatia no Réveillon

Rosas rubras no ar, amarelo para brilhar, brancas espumas nas ondas do luar. E... um, dois...sete... muitos beijos apaixonados! Feliz 2011!


Luzia M. Cardoso