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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Enterro dos Ossos



Enterro dos Ossos




Anos 60, 70, 80, família reunida ao redor da mesa proletária e rica; rica de esforço, rica de preocupação, rica de zelo... Pai, mãe, cinco irmãs, um irmão e Ringo, um cachorro preto e branco, de pelos macios. 


Os anos 60 costuravam os sonhos e os sopravam para os anos 70... E os anos 80 traziam novas amizades, paixões e um sobrinho muito amado.

A porta da casa, sempre aberta, dizia: "Sejam bem-vindos"!

De 24 a 25, aquela ansiedade. Era preciso aguardar o relógio bater 24h para a entrega de presentes. E dá-lhe a descobrir o que o Papai-papai-mamãe-irmãs-Noel deixaram ali, ao pé da árvore.

E foram tantas árvores iluminadas de carinho; tantas árvores multicores. Tinha árvore de galhos secos, encapados com algodão, doce como a risada de papai. Tinha árvores de jornal retorcido presas à lata de tinta. Tinha árvore recortada em cartolina, pintada com purpurinas e presa à parede, confeccionada pelas mãos caprichosas da primogênita. Chegaram também aquelas outras tantas industrializadas, mas decoradas com o coração.

Já na manhã de 24, aquela correria de mamãe e papai: frango assado, farofa, maionese de batata, arroz à grega e macarrão... De quando em quando, bacalhau. A cozinha era pilotada pelos dois. 

O frango era tradição no Natal. Dizia a lenda que como o frango, ao ciscar o chão,  joga a areia para trás, da mesma forma, mandaria tudo de ruim e de retrógrado para o passado. 

Ah, tinha aletria, arroz doce, castanhas... Vinho para os adultos e refresco de frutas, e mesmo de vinho, para as crianças. E tinha todos nós oito reunidos à mesa. 

Papai sempre à cabeceira. Mamãe não tinha lugar marcado, normalmente sentava-se ao lado de papai. E nós sentávamos à mesa conforme a ordem de chegada.

E chegávamos, um a um. Roupa nova, bem passada e cheirosa. Laços de fitas adornando os cachinhos das caçulas. Saltinhos e minissaias para a jovenzinhas, e um short e camisa de gola para o meu irmão, ainda moleque.

Éramos oito apenas até as 24h horas do dia 24, pois, a partir de 24h01min.  vinham todos os vizinhos. E entre brindes e brincadeiras, flertes e suspiros, vinil do Trio Ternura, Cely Campelo, Benito Di Paula, Martilho da Vila, Chico Buarque, Elis Regina, Titãs, Beatles e Elvis... a amizade fermentava.

A noite de Natal terminava lá para s 8h do dia 25. Hora de organizar a casa para o enterro dos ossos.

Enquanto o sol tecia a manhã, os tios, tias, primos, primas e amigos aconchegavam-se  no coração da casa, entre uma conversa e outra, uma risada e outra, uma piada e outra, e um joguinho de buraco ou de sueca, tudo invadido pela algazarra infantil,  no cair da tarde do dia de Natal!

Luzia M. Cardoso 
RJ, 25\12\2014

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Crónicas de Portugal - Da sábia criatividade dos povos


Crónicas de Portugal


Da sábia criatividade dos povos
José-Augusto de Carvalho


Hoje, qualquer pessoa sabe o que é viver numa grande cidade ou numa localidade de pequena ou reduzida dimensão física  e populacional. Os tempos são outros, a Informação (jornais, rádios e televisões) chega a toda gente.

Em qualquer povoação, há dificuldades, específicas do lugar. E quem lá vive terá de, pessoal e colectivamente, tentar solucionar os problemas. E é certo que quem vive isolado ou voluntariamente se isola terá problemas acrescidos e mais dificuldades em solucioná-los.

Sabemos que há apoios estatais e municipais, apoios que resolvem ou minimizam muitos problemas; mas outros há não considerados pelas autoridades civis; e é aqui que as populações se protegem criativamente, melhor ou pior, evidentemente. Uma coisa é certa, quanto mais uma sociedade se assume solidária, mais reduzidos são os problemas.

Sabiamente, o povo cria colectividades recreativas, nas quais promove bailes, grupos de cantares e danças regionais, aprendizagem de artesanato, projecção de filmes, encenações e representações teatrais. Aí se cruzam todos ou quase todos os habitantes, constituindo uma família. E com esta família surgem auxílios para solução de muitos problemas quotidianos: é o «hoje por mim, amanhã por ti».

Para além das colectividades recreativas, outras associações surgem: os bombeiros voluntários locais; as cooperativas de consumo; os centros de dia para crianças e idosos; os centros de recolha e redistribuição de vestuário e mobiliário usado, etc.

Estas realidades sociais são muito comuns nos pequenos aglomerados populacionais.
As cidades de grande dimensão conseguem tb criar estas vantagens quando divididas por bairros onde as pessoas estão radicadas há gerações; os chamados bairros novos, onde ninguém conhece ninguém, são dormitórios apenas.

Nos bairros dormitórios grassa o isolamento, a solidão, a improvável solidariedade do vizinho, porque, não conhecendo, ignora o que se passa, numa defesa inconsciente de perigos imaginados ou reais.

É um dado adquirido que a maior solidão existe nas grandes cidades, exactamente porque ninguém conhece ninguém.

Há muito que os sociólogos clamam no deserto contra as grandes cidades. E têm razão. Nelas prolifera a desgraça, seja a criminalidade, seja a prostituição, seja o abandono, seja qualquer outra mazela social.

Quem viveu as duas experiências, a da cidade grande e a da povoação pequena, poderá esclarecer.

Eu tive a experiência de viver dezenas de anos em Lisboa; antes tive a experiência de viver numa povoação pequena. Quando pude decidir, optei. E a opção foi o regresso à povoação pequenina, para sempre.

Portugal, Viana do Alentejo - 26\11\2014

sábado, 18 de outubro de 2014

Autocolonização da Sociedade Brasileira?


Autocolonização da Sociedade Brasileira?



Muito se fala do período de colonização do Brasil, bem como muito se atribuí à nossa história os problemas que temos que enfrentar na atualidade, contudo, nem sempre são bem indicados os problemas sobre os quais se fala e tampouco fica claro de que colonização supõe-se que os problemas brasileiros decorrem. Sim, há que se explicitar de que colonização se refere, pois o Brasil foi colonizado por portugueses, franceses, holandeses, italianos e alemães já lá no período em que estas nossas terras começaram a ser cobiçadas.

A época do "descobrimento" do Brasil, e das primeiras colonizações que sofremos, está demarcada pela conjuntura das grandes navegações e da expansão de domínios de outros povos. À época, outras terras também foram conquistadas e outros povos foram dominados. Lembremos que a colonização da África por povos europeus se deu entre os séculos XV e meados do XX, e que a colonização de outros países do continente Americano, também pelos povos europeus, ocorreu dentro deste mesmo período, contudo, as sociedades que se formaram nos diferentes países dos continentes citados se apresentam, hoje, com desenvolvimento social, econômico, político e tecnológico diferente. E a que se devem as diferenças dos caminhos que traçaram e trilharam os povos dos continentes Americanos e Africanos?

O caminhar dos povos, nessa história, foi impulsionado não só pela chegada de imigrantes europeus nas novas terras, mas também pelo que ocorria no planeta: desenvolvimento da navegação, do comércio, da ciência, da tecnologia; surgimento de ideias que se conflitaram com outras. Essas transformações criaram novas necessidades em todas as sociedades.

Tudo isso revolucionou o mundo, as relações sociais internas de cada povo e externa, entre os povos.  Nesse percurso histórico, um grupo social nasceu, ascendeu economicamente e buscou o poder, confrontando-se com o grupo antigo, a monarquia. O novo grupo social propagou a “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. 

A partir daí, e desde então, grupos sociais passam a ser subjugados por aquele grupo que ascendeu econômica e politicamente na história das sociedades capitalistas, grupo que ficou conhecido como “burguês”. 

A burguesia criou um novo sistema social e econômico, o capitalismo e, por meio do que se denominou de “trabalho assalariado”, forjou-se uma nova modalidade de dominação, de exploração, apresentando-a como “liberdade”, bem como denominou-se de “mercado” o espaço de oferta, compra e venda da força de trabalho dos novos “escravos”. 

Nesse percurso histórico, em cada uma das sociedades, ocorreram (e ainda ocorrem) muitas tensões e lutas, onde os grupos sociais dominados, buscando melhores condições de vida, davam novo contorno aos limites da dominação. 

E em todos os países, a história se desenrola a partir de tensões e da correlação de forças entre cada grupo que se encontra em cada ponta desse cabo de guerra. Evidentemente que para mover o cabo de guerra para o seu lado, os que estão em cada uma das pontas não podem se restringir à força física, precisam, sobretudo, convencer o outro lado de que ele é fraco, de que vai perder e de que vai ser melhor se subordinar. E mais ainda, um dos grupos insiste em dizer que não há dois lados, mas apenas um, e ainda, que não existe um cabo de guerra entre os dois, gerando uma grande confusão no outro lado. Assim, a consciência de classe de quem está em cada ponto do cabo de guerra influenciará na correlação de forças do grupo que está em cada uma das pontas. 

E isso está presente em cada sociedade, a consciência da existência do cabo de guerra e de quem se é na tensão se constitui em determinante da configuração social, econômica e política de cada sociedade, bem como da forma, mais ou menos equitativa, como se dá a distribuição das riquezas produzidas.

E neste ponto, agora, retorno o olhar apenas para o Brasil. O que ocorre aqui que o povo brasileiro vive em condições cada vez mais desiguais? Quando olhamos para os diferentes grupos sociais que se formaram, quando olhamos para as regiões e para cada estado de nossa federação é desigualdade o que enxergamos.

O que ocorre aqui no Brasil que aumenta cada vez mais o fosso que separa os que detém maior poder econômico daqueles que detém menor?

O que ocorre em nosso país que, além de sermos estratificados conforme o nosso poder econômico, ainda somos diferenciados pelo momento em que nossos ancestrais chegaram aqui ao Brasil? Sim, há essa diferenciação quando insistimos em chamar de índios aqueles que aqui estavam antes do “descobrimento”. Parece que nos dividimos entre os nativos e os não nativos. Na atualidade, se não somos estrangeiros, não seríamos todos nativos brasileiros? Na atualidade, não seríamos todos brasileiros? Por que insistirmos na diferenciação?

O que será que ocorre por aqui que há tanta necessidade de nos diferenciarmos pela cor? Não seria o povo brasileiro multicor? 

E por que temos que nos diferenciar por região do país ou local de moradia? Que diferença há entre os brasileiros que nasceram no Nordeste dos brasileiros que nasceram no Sudeste, dos brasileiros que nasceram no Norte, dos brasileiros que nasceram no Sul, dos brasileiros que moram no Centro-Oeste? Que diferenças existem entre os brasileiros que moram no subúrbio e dos que moram nos bairros à beira do litoral, daqueles que moram nas serras ou próximos delas? Que diferença existe entre os brasileiros que moram no asfalto daqueles que moram em morros?

Pergunto sobre as diferenças existentes entre cada um de nós que constitui o povo brasileiro. Não estou perguntando sobre a diferença na infraestrutura viabilizada em cada região e localidade.

A quê e a quem serve levar o povo brasileiro a crer que existem diferenças entre cidadãos brasileiros? Há brasileiros mais brasileiros que outros brasileiros?

E se todos nós constituímos o povo brasileiro, se todos nós somos brasileiros, por que uns têm melhor qualidade de vida do que outros? Por que todos nós brasileiros não podemos usufruir, de forma igualitária, de tudo o que criamos e que possibilita melhor qualidade de vida?

Ah, porque nossa sociedade é uma sociedade capitalista, dirão uns. No Brasil capitalistas, uns poucos são proprietários de terras, de indústrias, de prédios etc e outros muitos trabalham nestes locais para fazê-los funcionar. Assim, uns dependem do valor do salário para viver enquanto outros do valor que o trabalho dos outros lhe proporciona.

Diante deste fato, o que acontece, nesta nossa terra, que nem todas as pessoas que vivem de salário se entendem como classe trabalhadora?  Dos que vivem da venda da força de trabalho, será que há trabalhador menos trabalhador que outro?

Não é só pela força que os grupos economicamente dominantes detêm o poder. Evidentemente que também é pelo convencimento, pelas ideias que cristalizam como “verdades”. O grupo que detém o poder econômico, para manter o que acumulou e para acumular ainda mais, cria suas verdades e as espalha, de forma que as verdades dos outros grupos passam a ser concebidas como falsas. E quem domina compreende que quanto mais dividir melhor consegue dominar.

E para que um grupo domine outros, para que faça as “suas verdades” as “verdades de todos”, há a necessidade de que setores dos outros grupos sociais, daqueles que vivem-da-venda-força-de-trabalho, o ajudem nesta empreitada de dizer que ilusão é realidade. Para tanto, o grupo que domina concede alguns privilégios, algumas regalias, à parte dos setores dominados, de forma que essa parte se sinta ascendendo, seja economicamente, seja socialmente, seja intelectualmente. E, assim, essa parte do grupo que vive da venda de sua força de trabalho dissemina a ideia da “ascensão por mérito”.

A ascensão econômica passa a ser apresentada no poder de compra e a ascensão social na proximidade naquilo que garante a identificação com o grupo dominante. A ascensão intelectual, contudo, é mais sutil, pois se dá pelo acesso, sem questionamentos, ao conjunto de conhecimentos que respaldam as verdades criadas pelo grupo dominante.  Neste momento, ao não questionar, mudam-se as lentes que contribui para enxergar a realidade. E se toda lente tem uma curvatura que distorce, mais ou menos, o que se apresenta aos olhos, com a curvatura das lentes de quem domina, aqueles que receberam as novas lentes acreditarão ser verdade aquilo que enxergam. Dessa forma, um grupo que também vive da venda de sua força de trabalho se transforma em agente disseminador das “verdades” do grupo dominante e sua ação é de fundamental importância para a perpetuação deste último no poder. As pessoas que vivem da venda de sua força de trabalho e que defendem a forma de ver do grupo que vive da exploração do trabalho alheio são também seus intelectuais.

Assim, o grupo dominante, respaldado por seu poder econômico, por seus intelectuais e pelo aparato repressor que cria e domina, segue com o seu intento de manter dominado, passivo, obediente e concordante o restante do povo. 

E, agora, apresento o que ouvi de um amigo, sobre o que acredita se passar por aqui: Na sociedade brasileira há um movimento de autocolonização. No Brasil há um grupo que, embora pertencente à mesma sociedade, tenta colonizar os outros grupos, de forma que não apenas se apropria de todas as riquezas do país, de forma que não apenas explora e se apropria de tudo o que a força de trabalho produz, mas também busca dominar a forma de pensar e de agir dos demais grupos sociais.



Luzia Magalhães Cardoso 

Rio de Janeiro, 18\10\2014

sábado, 4 de outubro de 2014

Do Debate entre os 7 candidatos à Presidência do Brasil ou Da Exclusão dos outros 4




Do Debate entre os 7 candidatos à Presidência do Brasil ou Da Exclusão dos outros 4



Entre setembro e outubro, as emissoras de TV, Bandeirantes e Rede Globo, promoveram debates entre os candidatos à presidência do Brasil, relativos ao primeiro turno do pleito de 2014. Foram convidados, e estiveram presentes no debate, os seguintes candidatos: Eduardo Jorge - PV; Levy Fidelix - PRTB; Dilma Rousseff - PT; Marina Silva - PSB; Luciana Genro - PSOL; Aécio Neves - PSDB; e Pastor Everaldo - PSC.

Vejam, embora os eventos se propusessem a possibilitar o debate entre os candidatos à presidência do país, dos 11 candidatos, apenas 7 foram convidados,  pois além dos listados acima, também são candidatos à presidência do Brasil: Mauro Iasi - PCB; Rui Costa Pimenta - PCO; Zé Maria - PSTU; e Eymael - PSDC. Estes quatro candidatos foram excluídos do debate.

Não consigo entender como que o Estado brasileiro e a sociedade pôde concordar com a promoção de debates excludentes ao cargo majoritário de nossa nação. Pelo que percebi, tal exclusão foi baseada na "Lei das Eleições de Nº 9. 504, de 30 de setembro de 1997 que conflita com o artigo 5º da Constituição Federal e que garante a todos o direito à igualdade.

Considero importante contextualizar a origem da referida Lei. Criada no mandato do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB. FHC se elegeu em 1997, e o novo pleito seria no ano seguinte, 1998. Entre outros candidatos à presidência do país, concorria com ele Luis Inácio Lula da Silva, cujo número de votos já vinha se mostrando bastante expressivo desde sua disputa com Fernando Collor de Melo, nas eleições anteriores. FHC se re-elegeu no pleito de 1998, ficando no governo até 2002, quando Lula venceu as eleições. 

Para melhor entender o que aconteceu, citarei ADABO e CORTEZ (2010): 

"Em 1998, de acordo com Rubim e Colling (2005), a cobertura das eleições presidenciais foi marcada pelo silêncio: ausência de debates e de matérias sobre o pleito, que tem como consequência o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso, que se re-elege." (1)

Segundo os autores, no pleito seguinte, visando reconstruir sua imagem perante o público, a TV Globo promoveu intensos debates entre os candidatos à presidência, visando demonstrar imparcialidade. Com as rígidas regras e com o mediador, segundo os autores, a emissora "termina por esvaziar o discurso político, engessando as performances e tolhendo a sua espontaneidade".

Parece que foi o que verificamos no último debate promovido pela referida emissora de TV e realizado com a exclusão de candidatos à presidência do Brasil: ninguém discutiu a Saúde, ninguém discutiu Reforma Agrária, ninguém discutiu a Política Habitacional, entre tantos outros temas também ausentes.

Vejamos o que diz no artigo 46, da Lei das Eleições de Nº 9. 504:

Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais (...)." (2)


Apesar da existência da referida Lei, ao que me parece, o artigo 46 é inconstitucional, considerando que a Constituição é a Lei Maior e que todas as demais leis devem segui-la, implementá-la, portanto, viabilizá-la, nunca conflitá-la. 

Ao possibilitar que emissoras de rádio e TV possam fazer distinções (e exclusões) na participação de debates que venham a promover, tal artigo também impede que candidatos ao cargo majoritário tenham a mesma oportunidade de exercerem o seu direito constitucional, e também o seu dever, de tornarem públicas as suas propostas de governo e de esclarecerem os pontos que estiverem obscuros. (3)

Ao criar tal brecha no princípio de igualdade garantido na Constituição, a legislação citada, em seu artigo 46, restringe o legítimo direito do povo brasileiro de ficar ciente, e consciente, de quem são os candidatos aos cargos majoritários (e também aos proporcionais), bem como de conhecerem os seus respectivos programas de governo, ficando o povo brasileiro, de certa forma, cerceado em seu direito de livre escolha. Sim, pois a liberdade de escolha está relacionada ao acesso aos candidatos e às suas propostas e o acesso, no que diz respeito aos debates públicos promovidos pelas emissoras de rádio e TV e ao horário eleitoral gratuito, está sendo cerceado pelos limites impostos pela Lei nº 9.504.

Ao vincular a participação dos candidatos em debates promovidos por emissoras de rádio e TV à sua representatividade na Câmara dos Deputados, a  Lei nº 9.504 institui uma espécie de pré-requisito aos cargos majoritários e proporcionais, criando condição de vantagem para alguns partidos, e, assim, criando a possibilidade de sua perpetuação no poder. Além do fato de deixar que o poder econômico de alguns candidatos determine o pleito.

Ao que me parece, no que se refere à divulgação de candidatos e suas respectivas propostas de governo nos pleitos do país, e, assim, ao acesso do povo aos mesmos, tal Lei instituí um 4º Poder: O Poder da Mídia, cuja audiência atraí patrocinadores e, por aí, se apresenta o poder econômico

Todos sabem que para que a população possa votar em alguém, ela precisa conhecer esse alguém, por isso há a campanha política. Acontece que se um candidato a vereador, com muita história de luta em seu município, pode se fazer conhecer e conseguir eleger-se pelo voto dos munícipes, o mesmo torna-se impossível para sua eleição para o cargo de deputado estadual, federal, senador, governador e, sobretudo, para a presidência do país, visto que deverá se tornar conhecido em uma extensão territorial muito maior do que os de seu município. 

Para ganhar eleitores, o candidato precisa se fazer conhecido, bem como, penso eu, divulgar os seus feitos. E como divulgá-los? Para tanto, há a necessidade de meios de divulgação e de recursos financeiros. Para relativizar o poder econômico, existe o espaço da propaganda gratuita nas emissoras de rádio e TV, espaço que já discrimina os candidatos e os partidos, ao vincular o tempo de exposição à representação do partido na Câmara dos Deputados, conforme o artigo 47 da Lei supracitada.

Por tudo isso, creio que o artigo 46 e 47, da referida Lei Eleitoral, não só fere os artigos constitucionais 1º e 5º quanto fere o artigo 14º, tanto no princípio da igualdade, quanto com relação à soberania popular e ao direito à elegibilidade dos cidadãos candidatos, criando uma espécie de parágrafo segundo ao Artigo 1º da Constituição Federal de 1988 e que ouso aqui explicitar: Artigo 5º, Parágrafo Quinto: "Todos são iguais perante a lei, exceto para a sua divulgação e de suas propostas caso venham a concorrer aos cargos majoritários e proporcionais do país, cuja possibilidade está diretamente vinculada à representação do partido na Câmara dos Deputados".

Entendo que é inconstitucional vincular à composição de bancada na Câmara dos Deputados ou a pesquisas de intenção de votos o direito do cidadão candidato a cargos do Legislativo ou do Executivo à divulgação de suas propostas de governo, seja em horário gratuito, seja em debates promovidos por emissoras de TV e rádios, seja em entrevistas promovidas por qualquer mídia, pois isso é um critério excludente e que cria a iniquidade. 

Como cidadão brasileira, quero ter preservado o meu direito à informação e tal direito inclui o acesso a todos os candidatos aos cargos majoritários e proporcionais de meu país. Tal direito inclui o acesso aos seus respectivos feitos, desfeitos e programas de governo. Tal direito inclui ouvir todos, sem restrições e sem distinção de tempo, em debates públicos promovidos por emissoras de rádio e TV e em horários de propaganda gratuita.


Luzia M. Cardoso


RJ, 04\10\2014

Referências

1 - ADABO, Gabrielle Maise e CORTEZ, Glauco Rodrigues. A Rede Globo e as Eleições Presidenciais no Período de 1998 a 2008: Transformações por uma nova imagem. In, Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas, SP, de 26 a 27 de outubro de 2010. Disponível em https://www.puc-campinas.edu.br/websist/portal/pesquisa/ic/pic2010/resumos/2010923_19248_501993902_resabr.pdf):


2 -  Lei das Eleições de Nº 9. 504, de 30 de setembro de 1997

"Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:



Res.-TSE nº 22.318/2006: impossibilidade, no caso de debates, de exigir-se que a representação do partido na Câmara dos Deputados esteja vinculada ao início da legislatura, não se podendo ampliar o alcance do § 3º do art. 47 desta lei. Res.-TSE nº 22.340/2006: considera-se a representação dos partidos na Câmara dos Deputados na época das convenções para escolha de candidatos.

Ac.-TSE, de 26.10.2010, na Pet nº 377216: possibilidade de veiculação de debates considerando o horário local de cada unidade da Federação.

Ac.-TSE, de 16.6.2010, na Cta nº 79636: possibilidade de realização, em qualquer época, de debate na Internet, com transmissão ao vivo, sem a condição imposta ao rádio e à televisão do tratamento isonômico entre os candidatos.


I – nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:

a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;

b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos;

II – nas eleições proporcionais, os debates deverão ser organizados de modo que assegurem a presença de número equivalente de candidatos de todos os partidos e coligações a um mesmo cargo eletivo, podendo desdobrar-se em mais de um dia;

III – os debates deverão ser parte de programação previamente estabelecida e divulgada pela emissora, fazendo-se mediante sorteio a escolha do dia e da ordem de fala de cada candidato, salvo se celebrado acordo em outro sentido entre os partidos e coligações interessados.

§ 1º Será admitida a realização de debate sem a presença de candidato de algum partido, desde que o veículo de comunicação responsável comprove havê-lo convidado com a antecedência mínima de setenta e duas horas da realização do debate.

Ac.-TSE nº 19.433/2002: aplicação desta regra também quando são apenas dois os candidatos que disputam a eleição, salvo se a marcação do debate é feita unilateralmente ou com o propósito de favorecer um deles.

§ 2º É vedada a presença de um mesmo candidato a eleição proporcional em mais de um debate da mesma emissora.


§ 3º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a empresa infratora às penalidades previstas no art. 56.

§ 4º O debate será realizado segundo as regras estabelecidas em acordo celebrado entre os partidos políticos e a pessoa jurídica interessada na realização do evento, dando-se ciência à Justiça Eleitoral.

Parágrafo 4º acrescido pelo art. 3º da Lei nº 12.034/2009.

§ 5º Para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional.


Parágrafo 5º acrescido pelo art. 3º da Lei nº 12.034/2009.

Res.-TSE nº 23.273/2010: "são considerados aptos os candidatos filiados a partido político com representação na Câmara dos Deputados e que tenham requerido o registro de candidatura na Justiça Eleitoral. Julgado o registro, permanecem aptos apenas os candidatos com registro deferido ou, se indeferido, esteja sub judice.
V. art. 16-A desta lei." 

3 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Entrevista com a Presidente Dilma no Bom Dia Brasil, da TV Globo



É impressionante a falta de educação dos jornalistas que entrevistaram a presidente Dilma Rousseff . Eles Abriram o programa dizendo que o objetivo era conhecer o programa de governo da candidata, no entanto, longe de perguntar-lhe sobre as novidades, no caso de novo mandato, por meio de perguntas tendenciosas, ficaram manipulando a capacidade de compreensão da população.


Os jornalistas, do referido programa, iniciaram questionando Dilma sobre o escândalo da Petrobrás, insinuando que a presidenta deveria conhecer o diretor da instituição que se envolveu no escândalo. Quando Dilma começava a fazer uma retrospectiva da carreira do servidor para mostrar que era ilibada e que o mesmo vinha galgando os cargos desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, e que, portanto, fora uma surpresa para todos as denúncias de corrupção que o envolvia, os jornalistas a interrompiam, deseducadamente. Inclusive, dizendo que ela falava de carreira quando a direção da Petrobras fora por indicação. Ora, vejam, em uma administração que visa à democracia, se o diretor não é eleito pelos funcionários, para se ter coerência, no mínimo, busca-se os quadros da instituição, para as mais altas hierarquias, a partir de sua trajetória, ou seja, baseando-se em sua carreira. Não tirar novo gestor do bolso, não consultar as fichas dos "QI's" com o nome de seus apadrinhados e da bola da vez é sinal de compromisso com a democratização da instituição. Na realidade, ficou claro que os jornalistas queriam deixar uma pulga atrás da orelha dos telespectadores sobre a relação entre Dilma e o escândalo que vem sendo investigado na Petrobrás.

Quando Dilma começou a mostrar que a autonomia dos órgãos de investigação foi dada pelo governo do PT, seu antecessor, Lula e mantida por ela, e que, portanto, se as denúncias vêm à tona é devido à direção que vem sendo dada por seu governo, uma das jornalistas, mostrando completo equívoco, interrompeu-lhe dizendo: "mas são órgãos de Estado que investigam.". Ora, querida jornalista, Estado é sinônimo de União, não significa unidade da federação!

Depois, um dos jornalistas fez uma pergunta sobre desemprego, informando que países da Europa e o Chile têm índices de empregabilidade maiores do que o Brasil. Quando Dilma começou a apontar a inveracidade de tal informação, apresentando dados, os jornalistas, os três, ficaram impedindo a sua fala, uma disse ainda que ela não respondia à pergunta (?!). Mas como não respondia? Se alguém nos faz uma pergunta com um texto introdutório, para respondê-la, precisamos retomar ponto a ponto a introdução apresentada pelo entrevistador. Não?

Oras, Rede Globo, se se trata de entrevista, a regra é perguntar, deixar o entrevistado responder (SEM INTERROMPÊ-LO!!!!) e depois, (SÓ DEPOIS!) o entrevistador pegará pontos da resposta e solicitará esclarecimentos. Ficar impedindo o entrevistado de falar, gastando o tempo que "lhe fora dado" para manipular o público, além de profunda falta de educação (já que quando um fala, o outro cala), demonstra a CLARA POSIÇÃO DA TV GLOBO DE NÃO QUERER QUE DILMA ROUSSEFF SE REELEJA.

Ora, Rede Globo, até eu sei que não dá para comparar o Brasil com os países da Europa, quando tratamos, por exemplo, de emprego e desemprego, e por tais motivos: 1 - A população de cada país da Europa é muito menor que a do Brasil; 2 - Cada Unidade da Federação brasileira equivaleria a um país europeu, em termos de dimensão, população e problemas. Nesse caso, o mais razoável seria, por exemplo, comparar um país europeu com São Paulo. 3- As instituições multinacionais têm uma política de emprego e salário diferentes, para os países centrais, daquelas adotadas nos países periféricos. Assim, considerando que são empresas capitalistas, multinacionais e que sobrevivem da mais-valia extraída do trabalhador, para aumentarem o número de empregos e o salário em um ponto do planeta, exploraram o trabalho de forma mais intensa em outro. E aí, dá para comparar as taxas de emprego entre o Brasil e a Alemanha? Ah, sim,eles compararam com o Chile. Mas comparar o Brasil, com o tamanho que tem e com a complexidade que tem, com Chile é, no mínimo, uma piada!

Ao final, quando a candidata não tinha mais a possibilidade de falar, quando o tempo estipulado para a entrevista já havia terminado, lembrando que a entrevista foi gravada e feita ontem, a jornalista, no programa de hoje, reafirmou os dados que apresentou durante a entrevista, dizendo que os da presidenta eram referentes a período anterior. Ou seja, pelo que entendi, a presidenta, candidata à reeleição, foi chamada de mentirosa.

Precisa disso? Durante a entrevista, nós ouvimos que os dados dos jornalistas eram diferentes do da Presidenta. Cabe a nós, telespectadores, buscarmos mais informações. É completamente desnecessário, deselegante, desrespeitoso, reafirmar uma dada informação quando o outro, que fazia parte da contenda, não tem mais oportunidade de falar.

Gente, é verdade o que estamos vendo? É verdade o que estão fazendo com Dilma Rousseff nestas entrevistas? É verdade que os entrevistadores perguntam o que querem e como querem e que não deixam a presidenta respaldar a sua resposta e, tampouco, concluí-la? É verdade que vimos jornalistas impedindo a presidenta, e candidata a reeleição, de falar, induzindo os telespectadores a crerem que ela fugiu das respostas?

Já declarei que votarei em Mauro Iasi, do Partido Comunista Brasileiro - PCB (Oficial), bem como expliquei o porquê, mas isso não me impede de perceber a campanha anti-Dilma que a mídia está fazendo.

O que tenho visto nas entrevistas e nos debates da mídia para com Dilma Rousseff é um desrespeito. Seria mais profissional se, a cada pergunta feita à candidata, fosse comunicado o tempo que teria para responder e deixar que a resposta ocorresse, sem interrupções, pois quando o entrevistador interrompe, ele gasta o tempo de resposta, causa confusão em quem acompanha o raciocínio e demonstra um profundo desrespeito para com todos.

E aí, fico eu a pensar com os meus botões. "As tímidas propostas sociais que vem sendo, vagarosamente, implementadas pelo PT causam muita ameaça às classes detentoras do poder econômico e,sendo assim, se depender delas, NUNCA os candidatos com propostas Socialistas terão espaço na mídia dominada por elas."

Pois é, está tudo dominado!!!

Está tudo dominado?

Luzia M. Cardoso 

Rio de Janeiro, 22\09\2014

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Alemanha 7 X Brasil 1: Procura-se o Bode Expiatório


Alemanha 7 X Brasil 1: Procura-se o Bode Expiatório


É quarta-feira, dia 09 de julho de 2014, e o povo brasileiro acorda sem querer levantar. Reúne forças, faz das tripas as ataduras para as feridas do peito e da alma.

O povo sai para a lida. Para a lida nas fábricas, nos bancos, no comércio, no setor de serviços, no trabalho informal...  O povo volta para a lida de todo dia. O povo brasileiro retorna ao tronco do trabalho precário, dos baixos salários, dos transportes de massa abarrotados, da marmita fria, da escola largada, dos hospitais com emergências fechadas, das calçadas com crianças e adolescentes entorpecidos. O povo volta ao tronco na névoa do spray de pimenta que toma na cara sob a bombas de efeito moral largada no estádio do Mineirão pela Seleção Alemã... O povo volta passivo para o tronco e vai de olhos baixos que retornam ao chão ao peso do placar de 7 a 1 na arena mineira da "Copa das Copas".

Perdemos o sonho de ter em mãos o troféu da cor do nosso ouro, o troféu de valor de muitas de nossas pedras preciosas juntas. Do ouro e das pedras das MInas Gerais.

Acordamos, nesta quarta-feira, em meio a um pesadelo bizarro, inacreditável. A seleção pentacampeã perdeu de 7 a 1 nas Minas Gerais. Na arena denominada de Mineirão.  E quem é o culpado?

Alguns dizem que a culpa é do técnico que não soube escolher os jogadores e que se utilizou de ultrapassada estratégia de jogo. Outros acreditam que perdemos porque a estrela maior de nosso time e o nosso capitão não puderam jogar. A pequena burguesia - aquela que vive estendendo o tapete para a burguesia passar e que confunde o povo para continuar recebendo benesses- atribui a derrota ao povo brasileiro, dizendo que somos indolentes, malandros, que não queremos estudar, que somos o povo do jeitinho e que gostamos de viver ociosos na rede do Bolsa Família. Para esses últimos, caso Deus seja mesmo brasileiro, eu rogo "Oh, Senhor, perdoa-os! Eles não sabem o que dizem." 

Acordamos, como acordamos todos os dias, tendo na primeira refeição, quando muito, o café ralo, o pão dormido, a farinha com água, e corremos direto para a lida, ofertando as nossas artérias para a sangria diária. 

Nesta quarta-feira cinza de julho de 2014, entorpecidos com as pedras de crack de nossa história, buscamos e rebuscamos os cantos da nação à procura do bode expiatório para a derrota do Brasil para a Alemanha: 7 a 1.

Luzia M. Cardoso  
RJ, 09\07\2014

sábado, 5 de julho de 2014

A ARENA

Os heróis olímpicos, os heróis nacionais, os heróis do futebol, das olimpíadas, das corridas de carros: cria-se poucos Pelés entre tantos Garrinchas.




A ARENA



As arenas construídas para eventos de massa datam de muito longe na história da humanidade. Construídas no mundo antigo, época das grandes conquistas e da ostentação dos imperadores.

As arenas foram projetos para reunir a plebe e, em lugar de destaque, os soberanos, tendo, ao centro, aqueles designados para garantir o entretenimento. Tratava-se de um grande circo para extravasar a dor dos explorados e lançar névoa sobre a sua realidade. E a névoa ajudava a criar a torcida: uns, torcendo para um lado e outros, torcendo para o outro lado e, assim, ambos, esqueciam-se que pertenciam, todos, ao lado dos oprimidos. E, em local privilegiado, banqueteava-se a elite dominante e seus convidados. 

Enquanto isso, nos centros das arenas, a névoa se formava pela areia, pelo suor e pelo sangue dos que seriam abatidos e essa névoa se estendia à plateia, grudando os seus olhos e as suas mentes. 

Ao mesmo tempo, no centro das arenas, os gritos, o suor, o sangue e a dor dos que estavam lá para dar vida ao circo, num circo onde sempre havia quem caçasse e quem ficasse abatido ao chão. Nas arenas antigas, a luta dos gladiadores, de homens contra homens... De homens contra animais.

E as arenas, o circo, o mais eficaz instrumento de manipulação e de alienação das massas, se multiplicou, continua se multiplicando, e se sofistica, tanto em impérios quanto em repúblicas. E nessas arenas são testados os homens,  sua força e sua coragem. Também aí são testadas e apresentadas novas tecnologias. Também aí é avaliada a repercussão emocional que causa às massas.

E a plateia rodeia o centro da arena. E a plateia de hoje é mundial, é virtual e todos, dos quatro cantos do mundo, muitos milhares de pessoas, todos rodeiam o centro de uma mesma arena, com os soberanos, em destaque, que estão lá a lucrar. 

E ao redor da arena, a plateia extravasa as suas emoções... E as suas frustrações. Vibra, grita, canta, chora, torce, xinga, fica inflada, anestesiada para o que lhe espera do lado de fora da arena. A plateia se mascara, a massa é anônima, e na massa, cada um se perde em fantasia. Na massa anônima, nessa arena, os plebeus até xingam os soberanos, face a face. Não há cara nas arenas, todos usam máscaras. 

A plebe, na arquibancada e em poucas cadeiras, frente à elite, em preservados e luxuosos camarotes em destaque e que assiste a tudo sorrindo ao tilintar dos metais brilhantes que abarrotam os seus cofres. E, ao centro, os artistas do circo dando o seu suor, as suas lágrimas, o seu sangue, vencendo a dor...  A dor e o medo de ser um daqueles que tombará ao chão... Há sempre o que fica ao chão. Há sempre aquele que sai da arena carregado... E, também, sempre há aquele que é tragado pelo chão... E que nunca mais retornará... E, ainda no centro da arena, ainda entre os artistas do circo,  há aqueles que se investem em sentimento de nacionalismo, de patriotismo, de heroísmo e se mantém em pé... Bravos gladiadores, almejam  a aceitação dos soberanos, o orgulho da torcida e tudo o que que se materializará daí: o prêmio, o troféu, a medalha, o lugar de destaque no pódio dos vencedores e no imaginário da plateia, a fama e a conta bancária.

E a torcida vivencia o poder e a força do soberano, experiencia a crueldade da luta e se torna cúmplice da violência, das baixas e das mortes dos que se tornaram heróis ao centro da arena.

A massa, submersa em emoções, ao emergir, obedecerá passivamente à política da coerção e do medo, do chicote, pão e circo. E, no dia seguinte, caminhará, ombro a ombro, olhos ao chão, conforme a ordem social dominante.

AVE CAESAR!!!!

Luzia M.Cardoso

RJ, 05\07\2014

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A Voz do Muro



GRAFITES: A Voz do Muro





Percebo que os muros falam, e falam para quem tem ouvidos (e olhos) de ouvir. Os muros, por meio de suas cores, adornos, cuidados, detalhes, falam de sonhos, de pessoas, de amores, de expectativas.... E os muros falam também de dores, de perdas, de desesperanças, de conflitos, de abandono, de descaso...

O muro, que foi criado para demarcar limites, delimitar propriedades, separar o púbico do privado, se antes reproduzia apenas a fala de seus senhores, agora, parece querer mais. Parece que o muro rompeu os grilhões que o prendia, retirou a mordaça e começou a movimentar-se. Buscou a liberdade.

O muro parece querer interagir com calçadas, postes, ruas, pedestres, motoristas, crianças, adultos, jovens, idosos.... Ele cansou de olhar apenas para o seu rodapé e de acreditar que depende da vontade de salões, de portões e de porões. Hoje, os muros discutem com as cercas elétricas e questionam a origem de seu DNA.

O muro de hoje não quer ser individual, quer ser coletivo. Não quer ser família, quer ser comunidade, sociedade, nação. Não quer ser barreira, quer ser indicação. Por isso, o muro fala. E fala alto. 

O muro fala dos descasos de governos, fala dos desejos e temores de crianças, fala dos sonhos e das desesperanças de adolescentes, de jovens e também de adultos e idosos. O muro fala de horrores, e também fala das paixões. O muro aponta perigos, os riscos e tam´bem novos caminhas, novas possibilidades.

O muro fala em prosa, e também fala em versos. Às vezes com voz aveludada, noutras vezes, com urros e grunhidos.


O muro canta, do lírico ao popular. Tem ritmo, toca clássicos, Jazz, MPB, Bossa Nova, Samba, Rock, Funk, Rap, Hip Hop, Charme, Forró, Sertanejo, Baião e adere a todos os estilos e tendências da música, da moda, da arte. O muro é da rua, do mundo, do tempo, da vida e quer mostrar que está na roda.

O muro fala, canta, recita e berra. E, se o muro se comunica, resta-nos aprender a ouvir o muro nos diz.



Luzia M. Cardoso