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sábado, 4 de outubro de 2014

Do Debate entre os 7 candidatos à Presidência do Brasil ou Da Exclusão dos outros 4




Do Debate entre os 7 candidatos à Presidência do Brasil ou Da Exclusão dos outros 4



Entre setembro e outubro, as emissoras de TV, Bandeirantes e Rede Globo, promoveram debates entre os candidatos à presidência do Brasil, relativos ao primeiro turno do pleito de 2014. Foram convidados, e estiveram presentes no debate, os seguintes candidatos: Eduardo Jorge - PV; Levy Fidelix - PRTB; Dilma Rousseff - PT; Marina Silva - PSB; Luciana Genro - PSOL; Aécio Neves - PSDB; e Pastor Everaldo - PSC.

Vejam, embora os eventos se propusessem a possibilitar o debate entre os candidatos à presidência do país, dos 11 candidatos, apenas 7 foram convidados,  pois além dos listados acima, também são candidatos à presidência do Brasil: Mauro Iasi - PCB; Rui Costa Pimenta - PCO; Zé Maria - PSTU; e Eymael - PSDC. Estes quatro candidatos foram excluídos do debate.

Não consigo entender como que o Estado brasileiro e a sociedade pôde concordar com a promoção de debates excludentes ao cargo majoritário de nossa nação. Pelo que percebi, tal exclusão foi baseada na "Lei das Eleições de Nº 9. 504, de 30 de setembro de 1997 que conflita com o artigo 5º da Constituição Federal e que garante a todos o direito à igualdade.

Considero importante contextualizar a origem da referida Lei. Criada no mandato do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB. FHC se elegeu em 1997, e o novo pleito seria no ano seguinte, 1998. Entre outros candidatos à presidência do país, concorria com ele Luis Inácio Lula da Silva, cujo número de votos já vinha se mostrando bastante expressivo desde sua disputa com Fernando Collor de Melo, nas eleições anteriores. FHC se re-elegeu no pleito de 1998, ficando no governo até 2002, quando Lula venceu as eleições. 

Para melhor entender o que aconteceu, citarei ADABO e CORTEZ (2010): 

"Em 1998, de acordo com Rubim e Colling (2005), a cobertura das eleições presidenciais foi marcada pelo silêncio: ausência de debates e de matérias sobre o pleito, que tem como consequência o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso, que se re-elege." (1)

Segundo os autores, no pleito seguinte, visando reconstruir sua imagem perante o público, a TV Globo promoveu intensos debates entre os candidatos à presidência, visando demonstrar imparcialidade. Com as rígidas regras e com o mediador, segundo os autores, a emissora "termina por esvaziar o discurso político, engessando as performances e tolhendo a sua espontaneidade".

Parece que foi o que verificamos no último debate promovido pela referida emissora de TV e realizado com a exclusão de candidatos à presidência do Brasil: ninguém discutiu a Saúde, ninguém discutiu Reforma Agrária, ninguém discutiu a Política Habitacional, entre tantos outros temas também ausentes.

Vejamos o que diz no artigo 46, da Lei das Eleições de Nº 9. 504:

Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais (...)." (2)


Apesar da existência da referida Lei, ao que me parece, o artigo 46 é inconstitucional, considerando que a Constituição é a Lei Maior e que todas as demais leis devem segui-la, implementá-la, portanto, viabilizá-la, nunca conflitá-la. 

Ao possibilitar que emissoras de rádio e TV possam fazer distinções (e exclusões) na participação de debates que venham a promover, tal artigo também impede que candidatos ao cargo majoritário tenham a mesma oportunidade de exercerem o seu direito constitucional, e também o seu dever, de tornarem públicas as suas propostas de governo e de esclarecerem os pontos que estiverem obscuros. (3)

Ao criar tal brecha no princípio de igualdade garantido na Constituição, a legislação citada, em seu artigo 46, restringe o legítimo direito do povo brasileiro de ficar ciente, e consciente, de quem são os candidatos aos cargos majoritários (e também aos proporcionais), bem como de conhecerem os seus respectivos programas de governo, ficando o povo brasileiro, de certa forma, cerceado em seu direito de livre escolha. Sim, pois a liberdade de escolha está relacionada ao acesso aos candidatos e às suas propostas e o acesso, no que diz respeito aos debates públicos promovidos pelas emissoras de rádio e TV e ao horário eleitoral gratuito, está sendo cerceado pelos limites impostos pela Lei nº 9.504.

Ao vincular a participação dos candidatos em debates promovidos por emissoras de rádio e TV à sua representatividade na Câmara dos Deputados, a  Lei nº 9.504 institui uma espécie de pré-requisito aos cargos majoritários e proporcionais, criando condição de vantagem para alguns partidos, e, assim, criando a possibilidade de sua perpetuação no poder. Além do fato de deixar que o poder econômico de alguns candidatos determine o pleito.

Ao que me parece, no que se refere à divulgação de candidatos e suas respectivas propostas de governo nos pleitos do país, e, assim, ao acesso do povo aos mesmos, tal Lei instituí um 4º Poder: O Poder da Mídia, cuja audiência atraí patrocinadores e, por aí, se apresenta o poder econômico

Todos sabem que para que a população possa votar em alguém, ela precisa conhecer esse alguém, por isso há a campanha política. Acontece que se um candidato a vereador, com muita história de luta em seu município, pode se fazer conhecer e conseguir eleger-se pelo voto dos munícipes, o mesmo torna-se impossível para sua eleição para o cargo de deputado estadual, federal, senador, governador e, sobretudo, para a presidência do país, visto que deverá se tornar conhecido em uma extensão territorial muito maior do que os de seu município. 

Para ganhar eleitores, o candidato precisa se fazer conhecido, bem como, penso eu, divulgar os seus feitos. E como divulgá-los? Para tanto, há a necessidade de meios de divulgação e de recursos financeiros. Para relativizar o poder econômico, existe o espaço da propaganda gratuita nas emissoras de rádio e TV, espaço que já discrimina os candidatos e os partidos, ao vincular o tempo de exposição à representação do partido na Câmara dos Deputados, conforme o artigo 47 da Lei supracitada.

Por tudo isso, creio que o artigo 46 e 47, da referida Lei Eleitoral, não só fere os artigos constitucionais 1º e 5º quanto fere o artigo 14º, tanto no princípio da igualdade, quanto com relação à soberania popular e ao direito à elegibilidade dos cidadãos candidatos, criando uma espécie de parágrafo segundo ao Artigo 1º da Constituição Federal de 1988 e que ouso aqui explicitar: Artigo 5º, Parágrafo Quinto: "Todos são iguais perante a lei, exceto para a sua divulgação e de suas propostas caso venham a concorrer aos cargos majoritários e proporcionais do país, cuja possibilidade está diretamente vinculada à representação do partido na Câmara dos Deputados".

Entendo que é inconstitucional vincular à composição de bancada na Câmara dos Deputados ou a pesquisas de intenção de votos o direito do cidadão candidato a cargos do Legislativo ou do Executivo à divulgação de suas propostas de governo, seja em horário gratuito, seja em debates promovidos por emissoras de TV e rádios, seja em entrevistas promovidas por qualquer mídia, pois isso é um critério excludente e que cria a iniquidade. 

Como cidadão brasileira, quero ter preservado o meu direito à informação e tal direito inclui o acesso a todos os candidatos aos cargos majoritários e proporcionais de meu país. Tal direito inclui o acesso aos seus respectivos feitos, desfeitos e programas de governo. Tal direito inclui ouvir todos, sem restrições e sem distinção de tempo, em debates públicos promovidos por emissoras de rádio e TV e em horários de propaganda gratuita.


Luzia M. Cardoso


RJ, 04\10\2014

Referências

1 - ADABO, Gabrielle Maise e CORTEZ, Glauco Rodrigues. A Rede Globo e as Eleições Presidenciais no Período de 1998 a 2008: Transformações por uma nova imagem. In, Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas, SP, de 26 a 27 de outubro de 2010. Disponível em https://www.puc-campinas.edu.br/websist/portal/pesquisa/ic/pic2010/resumos/2010923_19248_501993902_resabr.pdf):


2 -  Lei das Eleições de Nº 9. 504, de 30 de setembro de 1997

"Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:



Res.-TSE nº 22.318/2006: impossibilidade, no caso de debates, de exigir-se que a representação do partido na Câmara dos Deputados esteja vinculada ao início da legislatura, não se podendo ampliar o alcance do § 3º do art. 47 desta lei. Res.-TSE nº 22.340/2006: considera-se a representação dos partidos na Câmara dos Deputados na época das convenções para escolha de candidatos.

Ac.-TSE, de 26.10.2010, na Pet nº 377216: possibilidade de veiculação de debates considerando o horário local de cada unidade da Federação.

Ac.-TSE, de 16.6.2010, na Cta nº 79636: possibilidade de realização, em qualquer época, de debate na Internet, com transmissão ao vivo, sem a condição imposta ao rádio e à televisão do tratamento isonômico entre os candidatos.


I – nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:

a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;

b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos;

II – nas eleições proporcionais, os debates deverão ser organizados de modo que assegurem a presença de número equivalente de candidatos de todos os partidos e coligações a um mesmo cargo eletivo, podendo desdobrar-se em mais de um dia;

III – os debates deverão ser parte de programação previamente estabelecida e divulgada pela emissora, fazendo-se mediante sorteio a escolha do dia e da ordem de fala de cada candidato, salvo se celebrado acordo em outro sentido entre os partidos e coligações interessados.

§ 1º Será admitida a realização de debate sem a presença de candidato de algum partido, desde que o veículo de comunicação responsável comprove havê-lo convidado com a antecedência mínima de setenta e duas horas da realização do debate.

Ac.-TSE nº 19.433/2002: aplicação desta regra também quando são apenas dois os candidatos que disputam a eleição, salvo se a marcação do debate é feita unilateralmente ou com o propósito de favorecer um deles.

§ 2º É vedada a presença de um mesmo candidato a eleição proporcional em mais de um debate da mesma emissora.


§ 3º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a empresa infratora às penalidades previstas no art. 56.

§ 4º O debate será realizado segundo as regras estabelecidas em acordo celebrado entre os partidos políticos e a pessoa jurídica interessada na realização do evento, dando-se ciência à Justiça Eleitoral.

Parágrafo 4º acrescido pelo art. 3º da Lei nº 12.034/2009.

§ 5º Para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional.


Parágrafo 5º acrescido pelo art. 3º da Lei nº 12.034/2009.

Res.-TSE nº 23.273/2010: "são considerados aptos os candidatos filiados a partido político com representação na Câmara dos Deputados e que tenham requerido o registro de candidatura na Justiça Eleitoral. Julgado o registro, permanecem aptos apenas os candidatos com registro deferido ou, se indeferido, esteja sub judice.
V. art. 16-A desta lei." 

3 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm