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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Sim, eles passam por cima

Sim, eles passam por cima

Os dias de hoje se revelam ameaçadores, principalmente para nós, das classes populares e trabalhadoras. Aos raios de sol, a cada prenúncio do Sol se pôr, uma notícia de morte por balas que dizem serem perdidas, mas no dorso de crianças, de jovens, de trabalhadores encontradas, Incêndios de proporções alarmantes em nossas florestas, em nossos cerrados; rompimentos de barreiras de grandes indústrias de extração de minérios e que arrasam cidades, ceifam vidas, enterram sonhos, e rios e rios e rios; lagoas, lagos e mares enlameados por dejetos, por resíduos, por petróleo...
E trabalhadores, civis e fardados, morrem, morrem e morrem. Embora, muitas vezes, na lida, os segundos não se percebendo como trabalhadores assalariados e com condições precárias e indignas de trabalho, se apresentem diante dos segundos os vendo como inimigos potenciais.
Será loucura coletiva? Será um vírus ainda desconhecido que provoca essa epidemia de gente com emoções indomáveis?
E o povo brasileiro vai sendo sugado por uma imensa avalanche de lodo, de fogo e de retirada de direitos. Caminhamos, todos, à própria sorte.
Nós caminhamos à própria sorte. Isolados em nossas luta diária pelo salário do fim do mês ou pelos recursos que garantirão o pão e o teto nosso de cada dia.
E vamos sós, e voltamos sós, e ficamos sós, e dormirmos sós, embora com corpos que se movem a nossa volta, ao nosso lado...Seguimos, cada um por si.
Pacatos, passivos, anestesiados, de vez em quando, explodindo um gozo de tela, virtual, irreal, surreal!
Enquanto isso, os poucos outros que têm garantida mesa farta, viagens em primeira classe, condomínios segurados e seguros, residências amplas e com pé direito bastante alto...
Enquanto isso, esses poucos outros, não nos enxergam e riem, riem, riem em nossas caras. Financiam e aprovam reformas que nos massacram dizendo que é para acabar com a iniquidade, que é para o nosso bem.
Enquanto isso, esses poucos, quando cruzam conosco nas ruas - eles blindados em aço de alto custo e nós com os pés que sentem o calor e o relevo do chão - quando cruzam conosco nas ruas, sem pestanejar, passam por cima.
Sim, passam por cima e foi isso o que aconteceu ontem, quando saia com a minha amiga do cinema em Botafogo, na rua Voluntários da Pátria, ao final da sessão de 13h50m, de Coringa.
Sinal fechado quando chegamos ao meio fio. Carros enfileirados e parados, um atrás do outro, sem dar muito espaço para qualquer pedestre atravessar. Mesmo assim, sem problematizar aquela realidade, atravessamos, sentindo a nossa roupa tocar os para-lamas dos carros.
De repente, um carro de luxo vermelho, quatro portas, que poderia ser FIAT, VW, Nissan ou outra marca qualquer, sem pestanejar, sem titubear, arranca e empurra a minha amiga.
Sim, como se fossemos invisíveis, como se fossemos pombos que voam quando os carros arrancam nas ruas onde ciscam. Sim, como se fossemos nada.
Lá, do alto dos quatro pneus aro 20, de dentro de seu automotor vermelho climatizado e de janelas fechadas, o motorista arranca o carro e, com ele, empurra uma pedestre que atravessava a rua àquela hora.
Em sua cabeça inebriada pelo valor de seu carro, talvez de sua residência, talvez, também, de sua conta bancária, ele entende que se o pedestre atravessa fora da faixa, ele pode passar por cima, impunemente.
Ali, na Voluntários da Pátria, em plena quarta-feira, por volta das 16h:50m, um homem, atrás do volante de uma carro de luxo vermelho, joga-o em cima de uma mulher que ousara atravessar a rua à sua frente.

Luzia M. Cardoso