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terça-feira, 20 de setembro de 2011

UM RIO DE DESCASO




Manhã de terça-feira. Preciso ir ao Centro da minha Cidade Maravilhosa. Conheço o rush e opto por ir de ônibus pois sei que o fluxo será lento, além das dificuldades de estacionamento. Em todo caso, imagino que, num percurso em que faria entre 30 a 40 minutos, em outro horário, talvez, a essa hora, eu o faça em 60min.
Entro no ônibus e já na Avenida Brasil um engarrafamento injustificado. Não era o trânsito lento que previa, mas um trânsito parado. Fazer o quê?
Resolvo observar a paisagem. Gosto de olhar a arquitetura dos prédios, bem como os grafites que insistem em gritar nos muros da cidade. Mas se gosto de grafites, acho as pichações de extremo mau gosto e falta do que fazer.
E por falar em arquitetura, nunca é demais observar a beleza do Castelo Mourisco, na Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos. 


No caminho, ouço o grito de muitos grafites interessantes. Alguns em linhas curvas, em preto e branco, com temas românticos e que, pelo traço, parecem ser de uma mesma pessoa. Outros, em cores mais fortes, mostram expressões de susto, de descontentamento, retratando crianças e adultos. O muro da Usina de Cidadania é outro momento bastante agradável, onde há grafites que denunciam a destruição do meio ambiente.
Como por ironia, entre o Castelo Mourisco e a Oficina de Cidadania, há um rio com águas turvas, pesadas, inertes. Lá, multiplicam-se as favelas em Manguinhos, às margens de um rio defunto.



Insisto em olhar a rota do rio, procurando o ponto de partida. Vejo a Serra da Tijuca, onde, quem sabe por algum milagre, ainda exista a sua nascente. Do outro lado, o rio segue o seu destino, desaguando na não menos poluída Baía de Guanabara. Fico desolada.
E o tempo passa... Eu ainda estou lá, andando como tartaruga, na Avenida Brasil.
A partir desse ponto, o que vemos é de chorar. Muitos prédios desativados, tanto de empresas privadas, como a antiga fábrica de sabão União Fabril Exportadora - UFE, quanto os prédios públicos. Até por uma igreja em péssimas condições nós passamos.
Uma cidade largada é o que vemos pela Avenida Brasil, de São Cristóvão ao Terminal Rodoviário Menezes Cortes, próximo ao Porto do Rio.


O que deveria ser uma das portas de entrada do Rio é algo simplesmente deplorável de feio, de décadas de desprezo, negligência e má administração. E olha que nessa região temos um mix de público e privado.


O que salva são os artistas anônimos que grafitam os muros. Já ao entramos na Avenida Francisco Bicalho, deparamo-nos com os pilares do Elevado Paulo de Frontin com versos do Poeta Gentileza e, em um dos muros, um grafite que o retrata. Bárbaro! 




Nas paredes externas da Usina de Asfalto, da Secretaria Municipal de Obras, do município do Rio de Janeiro, também têm grafites muito bonitos...




Mas ao longo da via que dá acesso ao Terminal Ferroviário da Leopoldina, as construções continuam largadas.
Enfim, o ônibus desce a Avenida Presidente Vargas e vejo os prédios de arquitetura americana, logo na entrada. E imediatamente, minha visão bate na nova passarela de pedestres, com estrutura pintada em cor bronze metálico, bem em frente à Prefeitura. Uma passarela que se destaca ainda mais quando observamos a seguinte que também atravessa a mesma avenida, visto à precariedade em que se encontra. 



Ao passar em frente ao local, lembrei-me que ali, onde ergueram os prédios da Administração Municipal do Rio de Janeiro, ficava a Vila das Mimosas, uma antiga e muito conhecida zona de prostituição. Num passado não muito distante de nossa história, e por algum tempo, o prédio principal ficou conhecido como "piranhão", e o anexo como “cafetão”.
É triste demais vermos que na mesma avenida de prédios luxuosos e uma passarela reluzente, o Hospital São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro parece uma casa mal assombrada de tão largada. E apesar das condições inadequadas, alguns serviços ainda são ofertados à população naquele local.



Agora em frente ao Campo de Santana, passo pelo prédio onde Deodoro da Fonseca teria proclamado a República e percebo que o parque é uma admirável república comunista, onde convivem as árvores, o lago, os patos, marrecos, cachorros, gatos, ratos, preás, pombos, pardais e até um pavão... Todos ali, no mesmo local, juntos, usufruindo do que o Campo de Santana tem para oferecer e, ao mesmo tempo, contribuindo para a sua preservação. Uma lição, não?
Estava entrando no que deveria ser o Centro Histórico do Rio, devido às memórias daquelas ruas e de seus  prédios. Lá estão a rua da Alfandega, a Moncorvo Filho, a Frei Caneca, Mem de Sá, Rua do Riachuelo e outras ruas transversais.


Falo da área que vai da Cidade Nova aos Arcos da Lapa, daquelas janelas antigas, dos flertes e das fofocas... As pequenas varandas. Fachadas do Século XIX, como a da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. 


Apesar do inegável valor histórico do local, o que vemos: péssima preservação, comércio fraco, ruas sujas, insalubres, cheirando a mijo, algumas têm fezes pelo chão... Consequência, moradores sumindo.
Por ironia, na mesma região, temos também uma grande concentração de unidades de saúde: Hospital Souza Aguiar, Instituto de Hemoterapia (HEMORIO), Instituto de Endocrinologia (IEDE), o agonizante Instituto de Assistência aos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (IASERJ), Instituto Nacional do Câncer (INCA), Hospital da Cruz Vermelha, entre outras públicas e privadas. Se acrescentarmos os hospitais que ficam do outro lado da Avenida Presidente Vargas e se estendermos a nossa observação ao espaço que vai da Praça Mauá à Praça XV, perceberemos que ali há, talvez, a maior concentração de unidades do Sistema Único de Saúde - SUS - da cidade do Rio de Janeiro.
Já prestes a saltar naquele rio de descaso, fico a sonhar com a Cidade Histórica do Rio de Janeiro. Imagino as ruas limpas, pessoas andando a pé ou de bicicletas, crianças, jovens e adultos jogando capoeira na Praça Cruz Vermelha, muita gente nas calçadas ou curtindo um sambinha nos bares, passeando no Bondinho por cima dos Arcos da Lapa, tomando um chá na Confeitaria Colombo ou no Café Casè, aguardando a noite seduzi-las para o samba de gafieira no Elite ou na Estudantina, ou para o teatro de Revista no Rival. Quem sabe uma peça no teatro João Caetano, um cineminha no antigo Cine Odeon, um sambão de escola de samba no Sambódromo... Outros irão ouvir música na Sala Cecília Meireles, dançar um forró no Circo Voador, apreciar um recital dos alunos da Escola Nacional de Música...
Desço do ônibus pensando nos governantes e parlamentares que elegemos. Tropeço numa pedra e caio na real: 
- Levei duas horas e trinta minutos para chegar ao local!


 Luzia M. Cardoso
Crônica e fotos
Rio de Janeiro