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segunda-feira, 13 de abril de 2015

TOC


TOC!



Educação é fundamental e se inicia em nossa casa, com os nossos pais, irmãos, irmãs e com todos os nossos familiares. A Educação é enriquecida em nossos círculos sociais, na escola e em todas as nossas relações em sociedade.
Nesse sentido, a Educação não se restringe aos conhecimentos sobre cálculos, geografia, ciências etc. Não, ela vai muito além. A Educação nos introduz na cultura de nosso povo, nas normas, regras, leis, hábitos, valores, comportamentos, costumes, crenças e conhecimentos sobre o dia a dia, sobre a natureza... Sobre a vida.
Por meio da Educação, conhecemos os mitos, as lendas, as histórias de nossos antepassados, o método e os instrumentos próprios ao labor diário, a forma de ver, de ser e de estar neste nosso mundinho de meu Deus.
Significa que a Educação é processo contínuo e, por isso, está em constante construção. Aprendemos no contato e no diálogo com pessoas de diferentes gerações, de diferentes grupos sociais, de diferentes culturas e de saberes diversos.
A Educação é circular, se movimenta, vai de um para o outro, assim, estamos sempre educando e sendo educados!
Só de pensar nisso, sinto o calor da esperança e a brisa da saudade.... E quantas saudades!!!!!
Nesse processo educativo que é histórico, nos chegaram o boitatá, curupira, mãe d’água, saci-pererê. Nessa correspondência intertemporal, nos enviaram as cirandas, os piques, o pião, as pipas, as bolinhas de gude, a amarelinha, pula corda, pernas de pau, pé de lata... E tantas formas e possibilidades de comunicação com o mundo invisível também nos foram transmitidas ... Tanto aos que creem quanto aos que não creem.
A reverência, o respeito e a atenção às pessoas mais velhas, o cuidado para com os mais novos, o carinho e a proteção às gestantes, o respeito aos animais e à natureza, bem como a importância de estarmos atentos aos seus sinais também nos chegaram pela Educação.
Em todas as áreas da vida social estamos aprendendo. Aprendemos sobre a beleza e os riscos do mar, do rio e das cachoeiras; sobre a necessidade dos cuidados nas rodovias, ferrovias etc. Aprendemos sobre a importância da atividade física, da leitura; do envolvimento com as artes, aprendemos culinária...
E por falar em culinária, aprendemos a conhecer os alimentos, pelo cheiro, pela textura, pela cor e, assim, ficamos sabendo que há uma alquimia em seu preparo, havendo método para combiná-los e para servi-los. E aprendemos que os alimentos são compartilhados na hora das refeições, que também é um importante momento de confraternização.
À mesa, aprendemos a receber as pessoas, caprichando na sua arrumação, onde o que dá o tom do bom gosto é o carinho e o cuidado para com todos. Nesse momento, o importante é o prazer de reunir e estar com os familiares, com os amigos, oferecendo o que temos de melhor, o nosso afeto.
E o comportamento à mesa? Ouvimos muitas “damas da média e alta sociedade”, da burguesia e da pequena burguesia, que vêm à público ensinar “regras de boas maneiras”, com destaque especial para o comportamento à mesa. E muitas, não fazem de graça, cobram pelas aulas que dão.
Mas, quem é que define o que vem a ser “boas maneiras”? Há regras além da segurança, da higiene, do conforto, do aconchego e do cuidado para com cada pessoa presente? Há valor maior do que não causar constrangimento algum a ninguém? Existem maneiras melhores de receber alguém do que respeitando suas origens, seus costumes, suas tradições e sua história? Há Educação melhor do que aquela que nos possibilita compreender que as pessoas são diferentes e têm hábitos diversos e são todas iguais perante o Universo? Há melhor forma de mostrarmos que estamos sendo muito bem educados do que saber conviver com essas diferenças, sem humilharmos e sem tentarmos impor os nossos costumes, as nossas religiões e crenças e o nosso padrão de comportamento aos demais?
Vejamos, os orientais têm como utensílios de mesa os hashis, os barquinhos, espetinhos de bambus, tigelas, pires diversos, onde colocam os molhos e copos para servirem chás e saquê. Sentam-se ao chão. Os europeus usam talheres de metal, com formatos e tamanhos diferentes para carnes, para peixes. Eles adotam pratos rasos e de diâmetro maior para saladas, outros fundos e de diâmetro menor para caldos; usam copos e taças de altura e largura diversas, diferenciando-os conforme o tipo de bebida. Os indianos, por considerarem o alimento sagrado, comem com as mãos. E, assim, de cultura em cultura, de história em história, de tempos e tempos, os valores, as tradições, os hábitos e os costumes são repassados às novas gerações. Isso é Educação, carregada de afetos, de respeito, de cuidados e de lembranças. E a Educação também constitui uma nação.
Mas essa história vem de longe... Na história da humanidade, nas sociedades europeias, o uso de talheres para a alimentação foi instituído pelo clero e pela nobreza, com regras próprias para o comportamento social. Tempos depois, veio a burguesia que, de forma caricaturada, tentava imitar o comportamento dos nobres. Os nobres não pareciam se preocupar com os valores e costumes da plebe. Muito pelo contrário, sentiam ser necessário que fossem diferentes dos seus, criando uma aura mística sobre si mesmos, perpetuando a dominação pela força e pela religião.
Já a burguesia busca interferir nos valores de todas as outras classes sociais. Dominam pela coerção e pelo consenso, daí a ideologia ser de fundamental importância. A burguesia e seus aliados querem fazer valer como única a sua forma de ver e estar na vida, embora digam que isso é democracia e liberdade. Como defendem a sua forma como “a verdade”, classificam a Educação como boa e má educação. De forma que aquela inerente às classes camponesas, populares e trabalhadoras é considerada como Educação de qualidade inferior ou como falta de Educação. De forma que, para serem aprovados pelos burgueses, que se sentem “seres superiores”, autoproclamando-se elite, aqueles que pertencem às classes sociais classificadas como “plebe”, povo, têm que se comportar conforme suas regras.
E ainda hoje isso ocorre? Nossa!!!
Ahhh, não! Hoje, não. Não mais permitiremos! Não venham tentar nos convencer que existe boa e má educação! Não venham tentar nos fazer acreditar que existem comportamentos, valores, costumes, crenças e tradições superiores e inferiores! Façam-me o favor! Não venham dizer como temos que nos comportar aqui e acolá. Não venham com essa história que, à mesa, nunca devemos apoiar os cotovelos; que, no máximo, podemos apoiar as mãos; mas que devemos, sempre, deixá-las sobre o nosso colo. Não venham nos dizer que a boa Educação é da elite, cheia de pratos, copos, taças e talhares, cuja disposição sobre a mesa dita a ordem de uso, com tantos rituais para isso e para aquilo.
Quem foi que decidiu que folhas de saladas não podem ser cortadas com facas e que temos que ter habilidade para, manejando os talheres, transformá-las em um embrulhinho para levá-las, uma a uma, à boca? Quem determinou que macarrão não pode ser cortado, que temos que enrolá-lo com o garfo, e nunca com o auxílio da colher, e que devemos começar a comer pelas bordas do prato?
Pensemos bem, o que é mais grosseiro, aquele que serve uma salada com folhas inteira e enormes ou aquele que corta as folhas para comê-las? O que é que causa mais constrangimentos, servir uma sopa no ponto de ebulição, queimando a boca dos desavisados ou, diante do caldo fervente, tentar esfriá-lo com sopros, antes de levá-lo à boca?
Pois é, mas as regras de boas maneiras, mais do que aconselhar a fazer trouxinhas de folhas de alface e aconselhar a esperar a sopa esfriar, conversando com os presentes, deveriam indicar que folhas não devem ser servidas inteiras, mas em tamanho confortável e que o caldo deve estar em temperatura apropriada para o consumo imediato. Não acham?
Quem foi que deu o direito a um grupo social de determinar o que os outros devem ou não devem fazer?
O que não é lei e não se configura em pacto social não é para ser apresentado como regra! Onde está a explicação científica que comprove que o alimento consumido conforme as regras da etiqueta burguesa possibilita melhor aproveitamento pelo organismo e, por isso, é mais nutritivo e saudável?
O que não é comprovado pela ciência não passa de rituais para diferenciar um grupo do outro. Não passa de um conjunto de ideias fundamentadas na lógica do exercício do poder. Não passa de mais uma forma de dominação, pois tem como função separar, discriminar e classificar.
É assim que se perpetua a dominação de uma classe sobre a outra. Quem tem o poder econômico se acha no direito de dar a direção do comportamento de toda a sociedade, se apresentando como modelo a ser seguido, como o detentor da verdade suprema, tentando moldar as outras classes sociais à sua imagem e semelhança, para, assim, poder manipulá-las.
Já perceberam como perdem a espontaneidade as pessoas que ascendem economicamente e que buscam aproximação com a burguesia? Parecem engessadas. Tentam, de toda forma, se tornar o espelho daqueles que acreditam estar em nível acima do seu. Transformam-se na caricatura da caricatura!!!
Elite que nada!!!! O que existe é um grupo que explora outros grupos e que, por se apropriar das riquezas produzidas, ostenta, esbanja, criando rituais, enquanto os demais grupos sociais que são explorados e privados do acesso aos bens e serviços que produzem com o suor de seu trabalho, vivem na escassez.
Por isso que, olhando de perto, fazer crer que alguns hábitos e costumes são melhores que os outros é a expressão máxima da grosseria, da miopia social, e de problemas no processo de Educação. E, simplesmente, porque essa atitude é falsa, impositiva, autoritária, arbitrária, arrogante e causa constrangimentos aos outros.

Creio que se nos relacionamos socialmente, estamos sempre em contato com pessoas de diferentes culturas, de diferentes tradições, e devemos deixá-las à vontade para seguirem os seus costumes.
Anfitriões bem educados, quando oferecem almoços ou jantares, ofertam talheres diversos, de acordo com a cultura e hábitos dos convidados; não servem pratos exóticos e desconhecidos dos mesmos, nem alimentos que os presentes, por tradição, religião, dieta ou outro motivo qualquer, não comeriam. Anfitriões bem educados buscam, antes, conhecer os hábitos, as tradições e costumes dos convidados para garantirem uma boa recepção. A regra primeira da boa Educação é não causar constrangimentos!
E sem caras e bocas, por favor!!!!!!
E se alguém pensar em promover algum encontro temático, ao convite, a etiqueta, informando com antecedência o tema!
Lembremo-nos que os valores máximos a serem cultivados na relação com os outros são respeito e cuidado para com o bem-estar de todos. Somente dessa forma poderemos garantir uma boa convivência social. Cuidando uns dos outros, nós construiremos uma sociedade melhor.
E o resto? Na minha opinião, o resto não passa de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), sinal de transtorno mental !!!
Luzia M. Cardoso
RJ, 13 \04\2015