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sábado, 23 de maio de 2020

Livros que Marcaram a Minha Vida III



Livros que Marcaram a Minha Vida III


O terceiro livro foi Fernão Capello Gaivota, de Richard Bach e que, se não me falha a memória, chegou lá em casa pelas mãos da primogênita de meus pais.

Como os outros livros que me marcaram, esse também li no início da adolescência, nos anos 70.  Àquela época, adoraria viver de brisa. Ah, mas não há aqui qualquer referência aquele sucesso de Isa.

Um livro leve, poético e que nos leva à reflexião, onde as personagens são gaivotas, bem como o protagonista,  Fernão Capelo.

Fernão era uma gaivota bem diferente das outras. Penso que todos os que crêem que é possível tocar e tecer a linha do horizonte se torna um estranho entre os seus.

Aquela vontade pulsante de ir além presente na personalidade de Fernão, de nunca aceitar o não como resposta à possibilidade de superar a si próprio, era o que prendia os meus olhos as páginas e que me transportava para elas.

Com Fernão voei. À baixa altura, percorri e toquei o espelho do mar. Senti as ondas passarem sob mim e, delas, percebi aquelas que estendiam suas cristas para nos afagarem. 

Com Fernão, percebi as possibilidades infinitas dos vôos e onde o meu desejo de voar recebeu fundamentais nutrientes.

Vôos rasos sob o sol, à noite, ao sabor do luar. Vôos às alturas, com loop. Dia a dia, ultrapassar o próprio limite e mergulhar de cabeça.

A ideia de vencer barreiras, naquela cabecinha juvenil, me levava a treinar trespassar todas as paredes que erguiam à minha frente.

E se as paredes eu aprendi a trespassar, com Fernão, compreendi que as montanhas devemos respeitar, apreciar, voar sobre elas, ao seu redor, subir ao cume, voando rente à encosta e, voando, descer ao colo. 

Que viagem! 

Luzia M. Cardoso

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Livros que Marcaram a Minha Vida II





Livros que Marcaram a Minha Vida II 


O segundo livro que muito me marcou foi Fazenda Modelo, de Chico Buarque. Tive a oportunidade de ter esse livro em mãos na década de 70. Por motivos que não me lembro, minha irmã mais velha que eu, a terceira na linha de nascimento, o levou para casa.

Disse em outra oportunidade que já cedo era uma leitora voraz e fui ler Fazenda  Modelo. Possivelmente, esperava encontrar belos animais, seus filhotes, pássaros coloridos, árvores frondosas e frutíferas ao soar de um alegre e saltitante riacho.

Mas o Chico que o escreveu não me consultou e, certamente, não esperava que uma menina de treze ou quatorze anos se interessasse por lê-lo.

Confesso que me amedrontava aquela capa preta com a cabeça de um touro que tinha um semblante muito zangado. Era preciso ter coragem para percorrer folha a folha. Mas para uma menina que corria em cima de muros, saltando os espaços dos portões, uma capa fechada não seria nenhum impedimento.

Não tinha tempo de caminhada para entender as metáforas de Chico, assim, vivenciava as personagens literalmente,  na real.

Com exceção do boi Juvenal, conselheiro-mor, todos os demais conselheiros da fazenda tinha nomes iniciados por k. Kkkkkkkkkkkkk! Que coisa louca!

Adorava as rimas que se infiltravam prosa à dentro e à fora,  como quem brinca de queimado.

Um aparte para explicar que queimado era como dávamos o nome daquele jogo de bola entre dois times que se posicionaram no campo, frente a frente, com o objetivo de eliminar todo o time adversário, um a um.

O instrumento usado era a bola, e o método utilizava-de da mira, força, velocidade e capacidade para se desvencilhar.  Uma bolada no corpo de algum jogador oponente para enfraquecer o time adversário. 

Acontece, contudo, que cada jogador eliminado ia para o fundo do campo do rival e, muitas vezes, acabava reforçando seu time, tanto com fortes bombas, lançamentos bem mirados, quanto fazendo o time adversário de bobo até o cansaço contribuir para que os jogadores se tornassem alvos fáceis.

Voltando à Fazenda Modelo, aqueles poemas concretamente desorganizando o ritmo e a forma da prosa me desnorteavam, como fossem uma forte bolada na cabeça.

Hoje, sei que aquele não era o momento de ler tal livro. O realismo da descrição da vida das vacas e novilhas, - levando em conta que eu me transportava para a cena e baixava em cada uma daquelas personagens -  assustavam a alma menina.

Aquela vida de objetificação de gado doía muito em mim e uma variedade de sentimentos afloravam. Passava da raiva ao nojo; da revolta à pena.

Hoje entendo aquele ritualístico samba lê lê que se decifrava nos registros dos filhotes, a função da educação fincada no mote do bom novilho não berra e a sarcástica e metodológica providência da Fazenda aos bovinos velhos.

Naquela idade, eu não poderia compreender tudo o que Chico dizia, por isso, sofri tanto com a vida de gado que experimentei na Fazenda Modelo.


quinta-feira, 21 de maio de 2020

O Livro mais Marcante de Minha Vida

Fazendo o curso  "O Poder da Escrita", com Pedro Bial, como exercício, fomos solicitados a escrever sobre o livro mais marcante de nossas vidas. Compartilho aqui a minha história.




         O Livro mais Marcante de  Minha Vida

Foram três livros que marcaram a minha vida, ou melhor, que muito me impressionaram: O Príncipe, de Nicolau Machiavel; Fazenda Modelo, de Chico Buarque; Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach. Eles chegaram a mim nesta ordem e o primeiro que li, com menos de treze anos de idade, foi O Príncipe, de Nicolau Machiavel.

Pode parecer estranho para quem me ler o fato de um livro complexo desse ter despertado o interesse de uma menina daquela idade.

Posso explicar. Apesar de ter origem em família pobre, com pais semi-alfabetizado,  livros, folhetos e revistas acabaram vindo às minhas mãos.

Meu pai, embora de pouca instrução, adorava ler livros de bolso e tinha uma coleção que eu lia também, já que aqueles livrinhos ficavam ao meu alcance, talvez , devido à simplicidade de nossa casa e de seu mobiliário.  Eram livros de ação, de espionagem, de faroeste que prendiam a minha atenção até o derradeiro ponto final.

Éramos uma família de oito pessoas, contando com meus pais.  Eles tiveram cinco filhas e um filho e eu era a quinta na linha, com três irmãs mais velhas que adoravam revistas de fotonovelas e modas,  e que também lia. Ou seja, era uma leitora voraz e compulsiva.

Havia ainda um casal de tios muitos queridos com uma casa onde havia uma estante de mogno cheia de livros que me fascinavam. 

A estante em mogno bem lustrada, com prateleiras de livros encadernados com capa dura, alguns com  letras douradas, outros com letras prateadas... Ah, era um verdadeiro tesouro!

Íamos com frequência para lá, como eles também iam para a nossa casa. Nas ocasiões que íamos para a casa deles, eu ficava onde estava aquela estante e foi ela quem me apresentou O Príncipe de Machiavel. Sim, a estante.

Um determinado dia, as letras prateadas daquela capa dura me chamaram. Meus olhos curiosos e infantis foram fisgados pelo livro. Penso mesmo que naquele dia a estante se iluminou mais naquele canto onde estava o livro. O Príncipe não passaria desapercebido àqueles olhos de garota tímida e romântica.

Contudo, já ali, pude verificar que todo príncipe, um dia, vira sapo. Aquela estante me vendeu gato por lebre e Machiavel, bom sedutor, me conduziu até às últimas páginas.

Quantos príncipes fajutos! Que decepção! Foram os meus sentimentos página a página do livro.

Mais decepcionada ainda fiquei quando me deparava com as práticas usadas  para os príncipes se legitimarem no poder: terror, medo, força, opressão,  escravidão, traição, fraude, crueldade e manipulação de necessidades.

E a princesa? E o amor? Oras, concluía, a princesa só serviria ao príncipe para aumentar o seu império, o seu poder?

Aquela menina que fui caiu no conto da estante ou, talvez, sendo boa educadora, ela, a estante me revelava o lado sombreado da face dos príncipes.

Claro que não li o livro com os mesmos olhos que o li quando solicitada pela universidade e, tampouco, com os olhos da mulher que sou hoje. 

Não, à época, li O Príncipe de Machiavel com os doces olhos da menina que fora ensinada a sonhar com o príncipe encantado apresentado pelos livros das histórias infantis.

                               
 Luzia M.Cardoso