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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Os Despossuídos, de Ursula K. Le Guin

 



Os Despossuídos, de Ursula K. Le Guin

 

Nesses tempos de pandemia, diante das praias, calçadas e bares lotados de pessoas que negam a gravidade da situação, a vida parece se desenvolver em realidades distintas, separadas, apartadas. Em um mundo, o planeta habitado por pessoas que se veem diante de um vírus letal e, por isso, buscam o isolamento e o distanciamento social e se preocupam com a higienização das mãos e com o uso de máscaras, visando dificultar a proliferação do vírus. O outro mundo está habitado por pessoas que não estão nem aí, adeptas do ditado “o que os olhos não veem, o coração não sente”, permanecendo na postura de Tomé de necessitar ver (sentir, doer e chorar) para crer. E só recorrendo a Gilberto Gil para passar por esse paradoxo.

“De um lado, esse Carnaval, de outro...

 E é nessa perspectiva paradoxal que se desenvolve a trama escrita por Ursula K. Le Guin. Trata-se de um livro de ficção construído de tal forma que nos leva à reflexão sobre os rumos da humanidade.

De cara, os nomes das personagens, das cidades, dos planetas nos causam estranhamento pois não nos remete à nenhuma associação com as personagens reais da história da humanidade. Contudo, no desenrolar da história... Mundos distintos na face aparente, mas como nos lembrou Marx, a realidade tem múltiplas faces e não se revela de imediato. É preciso ter olhos e instrumentos para enxergá-la.

E por falar de Marx, para quem leu o seu livro de mesmo título, Os Despossuídos, escrito em meados do Século XIX, poderá perceber que embora com abordagem completamente distintas, eles tratam sobre o mesmo objeto.

Marx reflete sobre a (des)posse quando trata da lei Renana que visou coibir a coleta de madeiras caídas nas florestas e que era realizada por parte da população que com o resultado da coleta não só abastecia a família com lenha para cozinhar e aquecer a casa, mas também com materiais para fabricar ferramentas e artesanatos e comercializá-los. Mas as florestas, antes de ser patrimônio público, é tratada pela lei como não podendo ter os seus frutos usufruídos por todos. E daí se discute sobre “os ladrões de madeiras e o direito dos pobres”. Olhando de perto, com instrumentos próprios, surge a questão: quem são os verdadeiros ladrões nessa relação.

Também partindo dessas duas perspectivas, proprietários e não proprietários, Le Guin desenvolve o seu texto. O direito à propriedade privada X o acesso comum aos recursos existentes como direito coletivo. Mas como nem tudo que reluz é ouro e embora se trate de ficção... o livro nos faz refletir sobre a nossa própria realidade.

Ó, de um lado este carnaval
Do outro a fome total
Uo-o-o-o-o-o

 

Vale ler a complexidade da tal “novidade”.

Boa leitura!

Luzia M. Cardoso

 

Citação: Letra da música de Gilberto Gil, A Novidade.