Sete
horas e já estou nas ruas tensas dos subúrbios carioca. É a rotina. Acordo com
o toque do celular, às risadas programadas por meu filho. Café rápido e retorno
ao quarto: “- Vamos, filho, levanta.” E o cachorro aos pés, insistindo em se
fazer notar com estranhos presentes que vai deixando em meu caminho. Tenho que
recolhê-los, não tem jeito. “-
Filho, levanta!” E sigo para o banho, roupas, conferência do material de aula. “-
Filho, levanta!” E vem arrastado, molenga, joga o cabelo para um lado, joga
para o outro, vai e volta ao espelho, como se pactuasse com o relógio. Ledo
engano. Os ponteiros disparam. Ah,
adolescência!
Retornando,
passo em frente ao Parque Ary Barroso e, de repente, sinto-me arrastada pela
força das gritarias de crianças que correm, saltam e brincam nas gramas, aos
impulsos dos frenéticos vaivéns dos balanços. E deslizo nas rampas dos
escorregas, ouvindo os sussurros românticos dos jovens à sombra das frondosas
árvores... E vi-me lá na minha diversão favorita, na parte mais alta do Parque
para descer rolando pela grama. Uma delícia... A relva úmida de orvalho que,
generosa, ofertava um doce perfume, o vento espalhando os sonhos que meus olhos
desenhavam no céu, ao comando da trilha sonora dos pássaros...
Sinto
um gosto de saudades enquanto guio o carro pela rua do Parque e percebo que elas correm
nas grades que hoje fecham aquele cinzento parque, agora ocupado pelas paredes frias
da UPA e da Base dos Militares da Força de Pacificação. Portão trancado para o
Parque, árvores com a copa em palha revelando o longo inverno, brinquedos
fantasmas vagueiam pelo tempo, gramas sentidas por não mais poderem usufruir
das gritarias infantis e dos romances juvenis... E pendurado nas grades, um
cartaz indicando a programação da Arena Carioca.
O
Parque Ary Barroso era uma das poucas áreas de lazer da região. Tinha uma
cascata, lago, árvores diversas, situado nas malhas de saída para a Avenida
Brasil, perto da linha Férrea da Leopoldina e do Hospital Getúlio Vargas. Mas
não resistiu ao abandono e com o crescimento das comunidades periféricas,
tornou-se acesso aos morros do Complexo do Alemão, utilizado também como rota
de fuga de bandidos e isso afastou de lá as crianças e os adolescentes da
região. Agora, sedia a base das Forças de Pacificação a partir de 2010 e a UPA
24h, descaracterizando o local. E o que era para ser um bosque, um espaço de
lazer, idealizado nos anos 60, com área de 50 mil metros quadrados, mantém-se
ocupado por equipamentos da administração pública para a execução da política
de segurança e da agonizante política de saúde brasileira.
E
as crianças e os adolescentes que moram nos arredores assistem arrancar-lhes a
esperança, com noites aterrorizadas pelos gritos agonizantes de seus sonhos, dilacerados
sob a caneta impiedosa dos nossos governantes.
Luzia M. Cardoso
Rio
de Janeiro, 24 de agosto de 2012