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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Enterro dos Ossos



Enterro dos Ossos




Anos 60, 70, 80, família reunida ao redor da mesa proletária e rica; rica de esforço, rica de preocupação, rica de zelo... Pai, mãe, cinco irmãs, um irmão e Ringo, um cachorro preto e branco, de pelos macios. 


Os anos 60 costuravam os sonhos e os sopravam para os anos 70... E os anos 80 traziam novas amizades, paixões e um sobrinho muito amado.

A porta da casa, sempre aberta, dizia: "Sejam bem-vindos"!

De 24 a 25, aquela ansiedade. Era preciso aguardar o relógio bater 24h para a entrega de presentes. E dá-lhe a descobrir o que o Papai-papai-mamãe-irmãs-Noel deixaram ali, ao pé da árvore.

E foram tantas árvores iluminadas de carinho; tantas árvores multicores. Tinha árvore de galhos secos, encapados com algodão, doce como a risada de papai. Tinha árvores de jornal retorcido presas à lata de tinta. Tinha árvore recortada em cartolina, pintada com purpurinas e presa à parede, confeccionada pelas mãos caprichosas da primogênita. Chegaram também aquelas outras tantas industrializadas, mas decoradas com o coração.

Já na manhã de 24, aquela correria de mamãe e papai: frango assado, farofa, maionese de batata, arroz à grega e macarrão... De quando em quando, bacalhau. A cozinha era pilotada pelos dois. 

O frango era tradição no Natal. Dizia a lenda que como o frango, ao ciscar o chão,  joga a areia para trás, da mesma forma, mandaria tudo de ruim e de retrógrado para o passado. 

Ah, tinha aletria, arroz doce, castanhas... Vinho para os adultos e refresco de frutas, e mesmo de vinho, para as crianças. E tinha todos nós oito reunidos à mesa. 

Papai sempre à cabeceira. Mamãe não tinha lugar marcado, normalmente sentava-se ao lado de papai. E nós sentávamos à mesa conforme a ordem de chegada.

E chegávamos, um a um. Roupa nova, bem passada e cheirosa. Laços de fitas adornando os cachinhos das caçulas. Saltinhos e minissaias para a jovenzinhas, e um short e camisa de gola para o meu irmão, ainda moleque.

Éramos oito apenas até as 24h horas do dia 24, pois, a partir de 24h01min.  vinham todos os vizinhos. E entre brindes e brincadeiras, flertes e suspiros, vinil do Trio Ternura, Cely Campelo, Benito Di Paula, Martilho da Vila, Chico Buarque, Elis Regina, Titãs, Beatles e Elvis... a amizade fermentava.

A noite de Natal terminava lá para s 8h do dia 25. Hora de organizar a casa para o enterro dos ossos.

Enquanto o sol tecia a manhã, os tios, tias, primos, primas e amigos aconchegavam-se  no coração da casa, entre uma conversa e outra, uma risada e outra, uma piada e outra, e um joguinho de buraco ou de sueca, tudo invadido pela algazarra infantil,  no cair da tarde do dia de Natal!

Luzia M. Cardoso 
RJ, 25\12\2014