Enterro dos Ossos
Anos 60, 70, 80, família reunida ao redor da mesa proletária e rica; rica de esforço, rica de preocupação, rica de zelo... Pai, mãe, cinco irmãs, um irmão e Ringo, um cachorro preto e branco, de pelos macios.
Os anos 60 costuravam os sonhos e os sopravam para os anos 70... E os anos 80 traziam novas amizades, paixões e um sobrinho muito amado.
A porta da casa, sempre aberta, dizia: "Sejam bem-vindos"!
De 24 a 25, aquela ansiedade. Era preciso aguardar o relógio bater 24h para a entrega de presentes. E dá-lhe a descobrir o que o Papai-papai-mamãe-irmãs-Noel deixaram ali, ao pé da árvore.
E foram tantas árvores iluminadas de carinho; tantas árvores multicores. Tinha árvore de galhos secos, encapados com algodão, doce como a risada de papai. Tinha árvores de jornal retorcido presas à lata de tinta. Tinha árvore recortada em cartolina, pintada com purpurinas e presa à parede, confeccionada pelas mãos caprichosas da primogênita. Chegaram também aquelas outras tantas industrializadas, mas decoradas com o coração.
Já na manhã de 24, aquela correria de mamãe e papai: frango assado, farofa, maionese de batata, arroz à grega e macarrão... De quando em quando, bacalhau. A cozinha era pilotada pelos dois.
O frango era tradição no Natal. Dizia a lenda que como o frango, ao ciscar o chão, joga a areia para trás, da mesma forma, mandaria tudo de ruim e de retrógrado para o passado.
Ah, tinha aletria, arroz doce, castanhas... Vinho para os adultos e refresco de frutas, e mesmo de vinho, para as crianças. E tinha todos nós oito reunidos à mesa.
Papai sempre à cabeceira. Mamãe não tinha lugar marcado, normalmente sentava-se ao lado de papai. E nós sentávamos à mesa conforme a ordem de chegada.
E chegávamos, um a um. Roupa nova, bem passada e cheirosa. Laços de fitas adornando os cachinhos das caçulas. Saltinhos e minissaias para a jovenzinhas, e um short e camisa de gola para o meu irmão, ainda moleque.
Éramos oito apenas até as 24h horas do dia 24, pois, a partir de 24h01min. vinham todos os vizinhos. E entre brindes e brincadeiras, flertes e suspiros, vinil do Trio Ternura, Cely Campelo, Benito Di Paula, Martilho da Vila, Chico Buarque, Elis Regina, Titãs, Beatles e Elvis... a amizade fermentava.
A noite de Natal terminava lá para s 8h do dia 25. Hora de organizar a casa para o enterro dos ossos.
Enquanto o sol tecia a manhã, os tios, tias, primos, primas e amigos aconchegavam-se no coração da casa, entre uma conversa e outra, uma risada e outra, uma piada e outra, e um joguinho de buraco ou de sueca, tudo invadido pela algazarra infantil, no cair da tarde do dia de Natal!
Luzia M. Cardoso
RJ, 25\12\2014
2 comentários:
Memórias... como é bom ter o que recordar com alegria! Pedaços de vida que se abraça, fortemente.
Desejo que esteja vivendo um Natal de muita luz.
Obrigada por tua presença! Feliz Natal, Marilene!
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