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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Por que somos o que somos e temos o que temos?



Por que somos o que somos e temos o que temos?

O que somos e o que temos são apenas por méritos nossos?

Muito tenho ouvido e lido sobre o que denominam de meritocracia, ou seja, o predomínio de quem tem mais méritos, entendido como o esforço, o empenho e seus bons resultados. Dentre os defensores dessa forma de organização social, vejo muita gente descrevendo os seus louros, batendo no peito orgulhoso e dizendo: "Sou o que sou e consegui o que consegui por meus esforços próprios!" 

E eu sempre me pergunto: Será?

Não somos os resultados apenas de nossos esforços e empenhos individuais, mas dos esforços e empenhos de todas as gerações passadas, dentro e fora de nosso grupo familiar, pois foram eles que garantiram as condições que hoje nos favorecem. 

Vejamos:

∆ Para nascermos precisamos de uma família, seja ela nuclear, extensa, mononuclear ou outra configuração. Não só necessitamos ser gerados como necessitamos ser cuidados, pelo fato de que bebês são completamente dependentes. 

∆ Na infância, também precisamos de um conjunto de proteção social que garantiram o nosso desenvolvimento físico, emocional, cognitivo, intelectual, social e cultural e para nos manter longe de riscos.

∆ Também na adolescência, na juventude, na idade adulta e na velhice precisamos de um conjunto de proteção social para sustentar a nossa vida com qualidade e produtividade. 

E aí é que vem a base de tudo! Não garantimos a nossa proteção social de forma isolada, nem nós e nem o nosso grupo familiar. A proteção social é uma construção coletiva, embora, em nosso país, ela seja ofertada de forma pouco equânime.

Mesmo os filhinhos de famílias burguesas não têm a sua proteção social garantida apenas pela renda e bens de seus familiares, mas pela exploração da força de trabalho de tantos e tantos trabalhadores que garantem, não somente, esse acúmulo de riquezas, mas a produção de todos os bens e serviços desfrutados de forma privilegiada por essa minoria.

Mas mesmo que haja trava em em alguns olhos e que só enxerguem a si mesmo e às famílias de origem, já neste pequeno universo se percebe que o que somos hoje nós devemos, no mínimo (embora não só), aos nossos ancestrais, aos nossos pais e, em tantos casos, como o meu, aos nossos irmãos. Sim, pois não é raro, nas famílias trabalhadoras, os irmãos mais novos usufruírem de condições melhores que seus irmãos mais velhos, graças aos esforços destes para aumentar a segurança e a renda familiar.

Pois é, assim, por exemplo, se eu consegui chegar ao nível superior, sendo aprovada em vestibular e tendo conseguido ingressar em universidade pública; se consegui fazer pós-graduação stricto senso; e se consegui, por meio de concurso público, chegar a um emprego também público, devo agradecer ao conjunto de trabalhadores que lutaram pelas leis trabalhistas, pelo ensino público e gratuito, pelo acesso aos cargos públicos por meio de concurso público, entre outras tantas bandeiras erguidas nas lutas dos movimentos sociais e trabalhadores. 

Devo agradecer aos meus ancestrais, pela base, mesmo que frágil, que construíram para os meus pais. Devo agradecer aos meus pais, pela batalha diária para me oferecer condições de vida melhores que as que tiveram. Devo agradecer ao meu irmão e às minhas irmãs, que trabalharam para aumentar a nossa segurança e renda familiar. Devo agradecer a tantos amigos e amigas, pelo colo acolhedor, ombro e mãos estendidas, ofertados nos momentos cruciais de minha vida.

 Tudo isso formou a minha rede de proteção social, indispensável para o que sou hoje!

Então, o que sou hoje não é mérito meu apenas.  É mérito de um povo sofrido, trabalhador, lutador e solidário! Sou o que sou hoje por mérito das lutas do povo brasileiro (da classe trabalhadora), pois foram essas lutas por melhores condições de vida que construíram as bases da proteção social que necessitei e necessito!

Lutemos, então, para não deixarmos desmontar a proteção social que foi garantida com esforço, luta, suor, lágrimas e sangue! Lutemos para garantir um sistema de proteção social mais equânime, universal e integral, de forma a alcançar a toda a população, garantindo uma sociedade, conforme propôs o velho Marx, que dê a cada um conforme as suas necessidades e que exija de cada um conforme as suas possibilidades.

Luzia M. Cardoso