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sexta-feira, 22 de maio de 2020

Livros que Marcaram a Minha Vida II





Livros que Marcaram a Minha Vida II 


O segundo livro que muito me marcou foi Fazenda Modelo, de Chico Buarque. Tive a oportunidade de ter esse livro em mãos na década de 70. Por motivos que não me lembro, minha irmã mais velha que eu, a terceira na linha de nascimento, o levou para casa.

Disse em outra oportunidade que já cedo era uma leitora voraz e fui ler Fazenda  Modelo. Possivelmente, esperava encontrar belos animais, seus filhotes, pássaros coloridos, árvores frondosas e frutíferas ao soar de um alegre e saltitante riacho.

Mas o Chico que o escreveu não me consultou e, certamente, não esperava que uma menina de treze ou quatorze anos se interessasse por lê-lo.

Confesso que me amedrontava aquela capa preta com a cabeça de um touro que tinha um semblante muito zangado. Era preciso ter coragem para percorrer folha a folha. Mas para uma menina que corria em cima de muros, saltando os espaços dos portões, uma capa fechada não seria nenhum impedimento.

Não tinha tempo de caminhada para entender as metáforas de Chico, assim, vivenciava as personagens literalmente,  na real.

Com exceção do boi Juvenal, conselheiro-mor, todos os demais conselheiros da fazenda tinha nomes iniciados por k. Kkkkkkkkkkkkk! Que coisa louca!

Adorava as rimas que se infiltravam prosa à dentro e à fora,  como quem brinca de queimado.

Um aparte para explicar que queimado era como dávamos o nome daquele jogo de bola entre dois times que se posicionaram no campo, frente a frente, com o objetivo de eliminar todo o time adversário, um a um.

O instrumento usado era a bola, e o método utilizava-de da mira, força, velocidade e capacidade para se desvencilhar.  Uma bolada no corpo de algum jogador oponente para enfraquecer o time adversário. 

Acontece, contudo, que cada jogador eliminado ia para o fundo do campo do rival e, muitas vezes, acabava reforçando seu time, tanto com fortes bombas, lançamentos bem mirados, quanto fazendo o time adversário de bobo até o cansaço contribuir para que os jogadores se tornassem alvos fáceis.

Voltando à Fazenda Modelo, aqueles poemas concretamente desorganizando o ritmo e a forma da prosa me desnorteavam, como fossem uma forte bolada na cabeça.

Hoje, sei que aquele não era o momento de ler tal livro. O realismo da descrição da vida das vacas e novilhas, - levando em conta que eu me transportava para a cena e baixava em cada uma daquelas personagens -  assustavam a alma menina.

Aquela vida de objetificação de gado doía muito em mim e uma variedade de sentimentos afloravam. Passava da raiva ao nojo; da revolta à pena.

Hoje entendo aquele ritualístico samba lê lê que se decifrava nos registros dos filhotes, a função da educação fincada no mote do bom novilho não berra e a sarcástica e metodológica providência da Fazenda aos bovinos velhos.

Naquela idade, eu não poderia compreender tudo o que Chico dizia, por isso, sofri tanto com a vida de gado que experimentei na Fazenda Modelo.


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