Obra licenciada por Creative Commons

Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons.

sábado, 18 de outubro de 2014

Autocolonização da Sociedade Brasileira?


Autocolonização da Sociedade Brasileira?



Muito se fala do período de colonização do Brasil, bem como muito se atribuí à nossa história os problemas que temos que enfrentar na atualidade, contudo, nem sempre são bem indicados os problemas sobre os quais se fala e tampouco fica claro de que colonização supõe-se que os problemas brasileiros decorrem. Sim, há que se explicitar de que colonização se refere, pois o Brasil foi colonizado por portugueses, franceses, holandeses, italianos e alemães já lá no período em que estas nossas terras começaram a ser cobiçadas.

A época do "descobrimento" do Brasil, e das primeiras colonizações que sofremos, está demarcada pela conjuntura das grandes navegações e da expansão de domínios de outros povos. À época, outras terras também foram conquistadas e outros povos foram dominados. Lembremos que a colonização da África por povos europeus se deu entre os séculos XV e meados do XX, e que a colonização de outros países do continente Americano, também pelos povos europeus, ocorreu dentro deste mesmo período, contudo, as sociedades que se formaram nos diferentes países dos continentes citados se apresentam, hoje, com desenvolvimento social, econômico, político e tecnológico diferente. E a que se devem as diferenças dos caminhos que traçaram e trilharam os povos dos continentes Americanos e Africanos?

O caminhar dos povos, nessa história, foi impulsionado não só pela chegada de imigrantes europeus nas novas terras, mas também pelo que ocorria no planeta: desenvolvimento da navegação, do comércio, da ciência, da tecnologia; surgimento de ideias que se conflitaram com outras. Essas transformações criaram novas necessidades em todas as sociedades.

Tudo isso revolucionou o mundo, as relações sociais internas de cada povo e externa, entre os povos.  Nesse percurso histórico, um grupo social nasceu, ascendeu economicamente e buscou o poder, confrontando-se com o grupo antigo, a monarquia. O novo grupo social propagou a “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. 

A partir daí, e desde então, grupos sociais passam a ser subjugados por aquele grupo que ascendeu econômica e politicamente na história das sociedades capitalistas, grupo que ficou conhecido como “burguês”. 

A burguesia criou um novo sistema social e econômico, o capitalismo e, por meio do que se denominou de “trabalho assalariado”, forjou-se uma nova modalidade de dominação, de exploração, apresentando-a como “liberdade”, bem como denominou-se de “mercado” o espaço de oferta, compra e venda da força de trabalho dos novos “escravos”. 

Nesse percurso histórico, em cada uma das sociedades, ocorreram (e ainda ocorrem) muitas tensões e lutas, onde os grupos sociais dominados, buscando melhores condições de vida, davam novo contorno aos limites da dominação. 

E em todos os países, a história se desenrola a partir de tensões e da correlação de forças entre cada grupo que se encontra em cada ponta desse cabo de guerra. Evidentemente que para mover o cabo de guerra para o seu lado, os que estão em cada uma das pontas não podem se restringir à força física, precisam, sobretudo, convencer o outro lado de que ele é fraco, de que vai perder e de que vai ser melhor se subordinar. E mais ainda, um dos grupos insiste em dizer que não há dois lados, mas apenas um, e ainda, que não existe um cabo de guerra entre os dois, gerando uma grande confusão no outro lado. Assim, a consciência de classe de quem está em cada ponto do cabo de guerra influenciará na correlação de forças do grupo que está em cada uma das pontas. 

E isso está presente em cada sociedade, a consciência da existência do cabo de guerra e de quem se é na tensão se constitui em determinante da configuração social, econômica e política de cada sociedade, bem como da forma, mais ou menos equitativa, como se dá a distribuição das riquezas produzidas.

E neste ponto, agora, retorno o olhar apenas para o Brasil. O que ocorre aqui que o povo brasileiro vive em condições cada vez mais desiguais? Quando olhamos para os diferentes grupos sociais que se formaram, quando olhamos para as regiões e para cada estado de nossa federação é desigualdade o que enxergamos.

O que ocorre aqui no Brasil que aumenta cada vez mais o fosso que separa os que detém maior poder econômico daqueles que detém menor?

O que ocorre em nosso país que, além de sermos estratificados conforme o nosso poder econômico, ainda somos diferenciados pelo momento em que nossos ancestrais chegaram aqui ao Brasil? Sim, há essa diferenciação quando insistimos em chamar de índios aqueles que aqui estavam antes do “descobrimento”. Parece que nos dividimos entre os nativos e os não nativos. Na atualidade, se não somos estrangeiros, não seríamos todos nativos brasileiros? Na atualidade, não seríamos todos brasileiros? Por que insistirmos na diferenciação?

O que será que ocorre por aqui que há tanta necessidade de nos diferenciarmos pela cor? Não seria o povo brasileiro multicor? 

E por que temos que nos diferenciar por região do país ou local de moradia? Que diferença há entre os brasileiros que nasceram no Nordeste dos brasileiros que nasceram no Sudeste, dos brasileiros que nasceram no Norte, dos brasileiros que nasceram no Sul, dos brasileiros que moram no Centro-Oeste? Que diferenças existem entre os brasileiros que moram no subúrbio e dos que moram nos bairros à beira do litoral, daqueles que moram nas serras ou próximos delas? Que diferença existe entre os brasileiros que moram no asfalto daqueles que moram em morros?

Pergunto sobre as diferenças existentes entre cada um de nós que constitui o povo brasileiro. Não estou perguntando sobre a diferença na infraestrutura viabilizada em cada região e localidade.

A quê e a quem serve levar o povo brasileiro a crer que existem diferenças entre cidadãos brasileiros? Há brasileiros mais brasileiros que outros brasileiros?

E se todos nós constituímos o povo brasileiro, se todos nós somos brasileiros, por que uns têm melhor qualidade de vida do que outros? Por que todos nós brasileiros não podemos usufruir, de forma igualitária, de tudo o que criamos e que possibilita melhor qualidade de vida?

Ah, porque nossa sociedade é uma sociedade capitalista, dirão uns. No Brasil capitalistas, uns poucos são proprietários de terras, de indústrias, de prédios etc e outros muitos trabalham nestes locais para fazê-los funcionar. Assim, uns dependem do valor do salário para viver enquanto outros do valor que o trabalho dos outros lhe proporciona.

Diante deste fato, o que acontece, nesta nossa terra, que nem todas as pessoas que vivem de salário se entendem como classe trabalhadora?  Dos que vivem da venda da força de trabalho, será que há trabalhador menos trabalhador que outro?

Não é só pela força que os grupos economicamente dominantes detêm o poder. Evidentemente que também é pelo convencimento, pelas ideias que cristalizam como “verdades”. O grupo que detém o poder econômico, para manter o que acumulou e para acumular ainda mais, cria suas verdades e as espalha, de forma que as verdades dos outros grupos passam a ser concebidas como falsas. E quem domina compreende que quanto mais dividir melhor consegue dominar.

E para que um grupo domine outros, para que faça as “suas verdades” as “verdades de todos”, há a necessidade de que setores dos outros grupos sociais, daqueles que vivem-da-venda-força-de-trabalho, o ajudem nesta empreitada de dizer que ilusão é realidade. Para tanto, o grupo que domina concede alguns privilégios, algumas regalias, à parte dos setores dominados, de forma que essa parte se sinta ascendendo, seja economicamente, seja socialmente, seja intelectualmente. E, assim, essa parte do grupo que vive da venda de sua força de trabalho dissemina a ideia da “ascensão por mérito”.

A ascensão econômica passa a ser apresentada no poder de compra e a ascensão social na proximidade naquilo que garante a identificação com o grupo dominante. A ascensão intelectual, contudo, é mais sutil, pois se dá pelo acesso, sem questionamentos, ao conjunto de conhecimentos que respaldam as verdades criadas pelo grupo dominante.  Neste momento, ao não questionar, mudam-se as lentes que contribui para enxergar a realidade. E se toda lente tem uma curvatura que distorce, mais ou menos, o que se apresenta aos olhos, com a curvatura das lentes de quem domina, aqueles que receberam as novas lentes acreditarão ser verdade aquilo que enxergam. Dessa forma, um grupo que também vive da venda de sua força de trabalho se transforma em agente disseminador das “verdades” do grupo dominante e sua ação é de fundamental importância para a perpetuação deste último no poder. As pessoas que vivem da venda de sua força de trabalho e que defendem a forma de ver do grupo que vive da exploração do trabalho alheio são também seus intelectuais.

Assim, o grupo dominante, respaldado por seu poder econômico, por seus intelectuais e pelo aparato repressor que cria e domina, segue com o seu intento de manter dominado, passivo, obediente e concordante o restante do povo. 

E, agora, apresento o que ouvi de um amigo, sobre o que acredita se passar por aqui: Na sociedade brasileira há um movimento de autocolonização. No Brasil há um grupo que, embora pertencente à mesma sociedade, tenta colonizar os outros grupos, de forma que não apenas se apropria de todas as riquezas do país, de forma que não apenas explora e se apropria de tudo o que a força de trabalho produz, mas também busca dominar a forma de pensar e de agir dos demais grupos sociais.



Luzia Magalhães Cardoso 

Rio de Janeiro, 18\10\2014

Nenhum comentário: