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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

NECESSIDADES SOCIAIS

NECESSIDADES SOCIAIS¹ 

  Luzia Magalhães Cardoso


Torna-se urgente redefinir o conceito necessidades sociais, visto o contexto histórico apontar para a retração do mercado de trabalho, diminuindo-se as possibilidades de inserção de segmentos sociais que, embora vivam do trabalho, se encontram alijados do trabalho protegido pelas legislações trabalhistas e previdenciárias.

Nesse sentido, pergunta-se: o que são necessidades sociais? Como possibilitar que o cidadão que recorre aos serviços e programas do Sistema Único de Assistência Social consiga, em algum momento, e pelo seu próprio trabalho, prover os meios para a sua existência, e a de sua prole, sem ficar dependente de programas de renda mínima? A fim de contribuir para com o debate, recorreremos a Marx e Engels que compreende o indivíduo como: 

 “(...) um produto histórico, o resultado da atividade de 
toda uma série de gerações, cada uma das quais aos ombros da 
anterior e desenvolvendo a sua indústria e o seu intercâmbio e 
modificando a sua ordem social de acordo com necessidades já 
diferentes”. (Marx, 1984:27) 

Assim, todo o contingente de pessoas que se encontram hoje abaixo da linha da miséria, classificado pela PNAS como em situação de indigência, surge do movimento histórico constituinte da atual estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira. Ou seja, a forma como se organizou o sistema de produção e de comercialização dos produtos e serviços contribuiu para a exclusão de uma imensa parcela da população. 

Os avanços da ciência e da tecnologia sofisticaram os instrumentos, dinamizando ainda mais a produção, ao mesmo tempo, os novos recursos tecnológicos necessitam de um número menor de trabalhadores para a sua operação, demandando por uma melhor qualificação da mão de obra. 

Temos então recursos tecnológicos que viabilizam melhores condições de vida e de trabalho àqueles que tiverem acesso às suas inovações, mas tais avanços,  contraditoriamente, se transformaram também em fator de exclusão do trabalho e de aumento da pobreza. 

Criaram-se novos antagonismos, agora não apenas entre o campo e a cidade, entre o trabalho manual e intelectual, ou ainda entre o trabalho produtivo e o improdutivo. Agora, temos também a oposição entre os que têm trabalho e salário e os que não têm. 

Sem os meios para a obtenção dos recursos necessários à manutenção da própria vida: alimentação, habitação, vestuários, transporte etc. uma importante parcela da população brasileira perde a autonomia na condução e na construção de sua própria história, pois ainda está preocupada em garantir a necessidade primária: manter-se viva. 

Parece, então, ser coerente que, até conseguir mudanças significativas em suas reais condições de vida, o segmento social em situação de indigência fique, durante algum tempo, dependente de serviços e programas governamentais ou de grupos sociais voltados à filantropia. Somente após assegurar as condições para garantir as necessidades primárias é que outras necessidades poderão surgir, como o acesso à informação, à cultura, à possibilidade de criação etc. Em seguida, a necessidade de renovação da própria vida pode se tornar uma prioridade, tanto de reprodução biológica quanto de reprodução dos meios de existência. Assim, segundo Marx e Engels (Idem), as relações em família se intensificam e se fortalecem. 

Podemos pressupor, a partir das discussões dos autores citados, que a relação contrária também pode ser uma possibilidade: na medida em que gerações e gerações não conseguem garantir a satisfação de suas necessidades primárias, os laços familiares se fragilizam, pois cada indivíduo precisa cuidar da própria vida e, instintivamente, essa ação é individual. 

A situação de indigência e de pobreza em que se encontram inúmeras famílias e indivíduos decorreu de um processo histórico, provavelmente iniciado pela espoliação e exploração do trabalho de seus ancestrais, deixando para a geração atual, como herança, as precárias condições de vida e a luta diária e insana por sua preservação. 

Se as reflexões de Marx e Engels (Ibidem) acerca das determinações das condições materiais de vida na formação da consciência (inclusive dos valores morais e relações sociais) forem verdadeiras, há que ser considerado o tempo necessário para que cada cidadão, família e grupo, que hoje necessita da política de Assistência Social, possa alcançar autonomia de renda, a fim de que eles próprios consigam providenciar os recursos indispensáveis para a própria existência e de seu grupo familiar. 

Tanto a trajetória histórica de exclusão quanto as consequências do processo de espoliação dos segmentos em situação de indigência podem contribuir para determinar o tempo e o nível de dependência dos mesmos nos serviços e nos programas de Assistência Social. Nesse sentido, pode ser prematuro tentar definir, a priori, o tempo de permanência dos assistidos bem como a forma de desligamento nos programas executados no Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Provavelmente, a dependência inicial nos programa pode ser uma característica do próprio processo de independência, assim como as diferenças nas formas de saída e no tempo de permanência nos programas. 

Para que essa relação de dependência se rompa, e não se perpetue, consideramos como determinantes importantes para a eficácia do Sistema a forma de relacionamento dos gestores e executores do SUAS para com os cidadãos demandatários da Política de Assistência Social, bem como a avaliação permanente da pertinência, da eficácia e da forma de execução dos programas e serviços ofertados. 





BIBLIOGRAFIA 


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CEFESS. Conferências e Deliberações do XXXIV Encontro Nacional CFESS/CRESS. Brasília: CEFESS, 2005. 

COUTO, Berenice Rojas. O Direito Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação possível? 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2006. 

CRESS 7ª  RA – RJ. Assistentes Sociais: ética e direitos. Coletânea de Leis e Resoluções. 2ª ed. CRESS 7ª  RA – RJ: Rio de Janeiro, 2000. 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. 

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã  - 1º Capítulo - seguido das Teses sobre Feuerbach. São Paulo, Editora Moraes LTDA, 1984

MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a Filantropia e a Assistência Social. São Paulo: Cortez, 2001. 

MORAIS, Alexandre (Org.). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. 17ª  ed. São Paulo: Atlas, 2001. 

MOTA, Ana Elizabete. Seguridade Social no Cenário Brasileiro (1). Publicado em http://www.lpp-uerj.net/outobrasil/. (Disponível em 
http://locuss.org/joomlalocuss/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=5&Itemid=36) 

SILVA, Vini Rabassa. Conjuntura brasileira e seguridade social: a necessidade de participação para a ruptura com o conservadorismo. In, Revista Virtual Texto & Contextos, n° 3, Ano III, dez. 2004. Publicado em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/977/757 

Leis, Decretos e Resoluções: 

LOAS. Lei Federal nº 8.742/ 1993. 
NORMA OPERACIONAL BÁSICA/SUAS. Resolução n° 27/2005, do CNAS. 
NORMA OPERACIONAL BÁSICA/RH. Resolução nº 01/2007, do CNAS 
PNAS. Resolução nº 145/ 2004, do CNAS. 
PROGRAMA NACIONAL DE RENDA MÍNIMA. Lei Federal nº 10.2129/200


1 - Este texto, revisado para ser aqui apresentado, bem como o Mapa Conceitual, foram publicados em CARDOSO, L. M. (Coord. ) Manual de Recursos da Rede de Proteção Social Básica. Parte III: Região do Médio Paraíba. (Projeto de Extensão Acompanhamento do Processo de Implantação e de Execução da PNAS\SUAS no estado do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro: UNISUAM, 2009.  Páginas 10 a 15. Até 2010 disponível em http://apl.unisuam.edu.br/portal/uploads/files/regiao_medio_paraiba.pdf  Disponível em http://docplayer.com.br/886431-Manual-de-recursos-rede-de-protecao-social-basica-parte-iii-regiao-do-medio-paraiba.html, acesso em 03\01\21

2 - No documento original, o Mapa Conceitual apresenta uma breve explicação de cada um dos conceitos ao final do documento, em anexo.




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