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sábado, 5 de novembro de 2016

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193\2016: QUEREM INSTITUIR ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DE UM PARTIDO?




PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193\2016: QUEREM
INSTITUIR ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DE UM PARTIDO?

Luzia Magalhães C ardoso1


O Projeto de Lei Escola sem Partido foi, inicialmente, apresentado no ano de 2015, pelo Deputado Federal, do PSDB de Minas Gerais, Izaci Lucas
(disponível
em http://www.camara.gov.br/…/prop_mostrarintegra;jsessionid=5… ). Neste ano, o Projeto de Lei foi reapresentado, com algumas modificações, pelo Senador Magno Malta, Partido da República, Espírito Santo e tramita no Senado como PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193, DE 2016, (disponível emhttp://www.senado.leg.br/ativid…/rotinas/materia/getPDF.asp….

Refletindo acerca do título do Projeto de Lei “Escola sem Partidos” deixamos claro que a Escola livre de doutrinações políticas e ideológicas, sem influências partidárias é o que preconiza os princípios constitucionais brasileiros, bem como os éticos do corpo de docente. Também é o que deseja toda a sociedade. 

O referido Projeto de Lei busca se inserir no a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional       (disponível emhttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm).

Ao lermos os dois primeiros artigos do referido Projeto de Lei, e os itens I a V, verificamos a sua correspondência na Constituição Federal de 1988, no Capítulo III, Seção I, artigos 205 e 206. Vemos que a NOSSA CARTA CIDADÃ JÁ DETERMINA QUE TAIS PRINCÍPIOS SEJAM SEGUIDOS:

CONSTITUIÇÃO DE REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
CAPÍTULO III: DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO 
Seção I: DA EDUCAÇÃO

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II         - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III       - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV       -          gratuidade       do        ensino             público            em       estabelecimentos       oficiais;
V        - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;VII                 -             garantia          de        padrão            de        qualidade.
VIII                - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.”

Verificamos, no entanto, que os itens VI a VII e seu parágrafo único e o artigo 5º, itens V e VI do referido Projeto de Lei têm forma e texto distintos do que prega a nossa Carta Constitucional e contribuem para cercear a Educação, contradizendo, se não ferindo, os itens II e III do artigo 206 acima citado. Diz a Constituição no item referenciado:

"Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;"
 
Diz o Projeto de Lei Escola sem Partido:

"Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios: VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;"
“Artigo 5º. Art. 5º. No exercício de suas funções, o professor: "V - respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções; VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula. ”
 
VAMOS REFLETIR:

Como que a educação e a informação direcionadas aos estudantes dentro da escola poderão atender à liberdade de consciência e crença de cada um (compreendendo que o Projeto de Lei pretende que crenças e formas de pensar não sejam, de forma, alguma questionadas) e, ao mesmo tempo, atender à liberdade de ensinar, de divulgar o pensamento, garantindo o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas (quando as ideias construídas historicamente por renomados filósofos, sociólogos, antropólogos, cientistas sociais, políticos e pesquisadores diversos questionam-se umas às outras, bem como a própria existência humana) sem gerar o contraditório, a reflexão, o questionamento e o debate?

Do mesmo modo ocorre com o item VII do mesmo artigo do referido Projeto de Lei:

"VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções."

VAMOS REFLETIR:

Uma coisa é a garantia Constitucional do respeito à liberdade de credo religioso, outra coisa é a Educação que tem como princípio a liberdade, a democracia, o pluralismo e o respeito às diferenças obrigar a cada unidade de ensino garantir que cada um de seus alunos (em sua diversidade cultural, religiosa e de pensamento) adquira o conhecimento existente no mundo (e correspondente a cada nível de ensino), de forma a impedir que o aluno a reflita sobre as suas concepções morais, religiosa e de vida.
Impedir a reflexão fere a própria proposta da Educação que é formar indivíduos aptos à refletirem sobre a própria realidade para nela intervirem, visando as necessidades sociais que são historicamente determinadas.

NESSE SENTIDO, O PROJETO DE LEI APRESENTA UMA CAMISA DE FORÇA E UMA MORDAÇA À EDUCAÇÃO

     O Projeto de Lei, nesses itens, fere a compreensão de que tudo na história se transforma, não só a realidade, como a direção da ciência e a própria concepção sobre o mundo e a existência humana.
Agora, vamos refletir sobre o texto do parágrafo único do artigo VII do referido Projeto de Lei:

"Parágrafo único. O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero."

Percebe-se haver aí uma confusão entre identidade de gênero e orientação sexual. Uma coisa é a identidade de gênero, o gênero com que a pessoa se identifica, apesar dos componentes sociais e culturais da construção do homem e da mulher presentes na sociedade e em seu próprio grupo familiar e social. Outra coisa e orientação sexual, que é o gênero pelo qual cada pessoa sente atração.

Como a realidade nos mostra, nem sempre a construção social do homem e da mulher, baseados nos aspectos anatômicos, determinam a atração sexual de cada um. Nem sempre a pessoa que nasce com o corpo de mulher ou de homem se sente uma mulher ou um homem, embora tenha sido educada dentro de uma cultura que relaciona a identidade à anatomia.

O texto do parágrafo único também parece confundir o que significa "natural amadurecimento e desenvolvimento" da personalidade do indivíduo, defendendo uma ideia equivocada e preconceituosa de que os indivíduos que não se identificam com o gênero associado à anatomia de seu corpo ou que não sentem atração pelo gênero oposto não "amadurecem e não se desenvolvem em condições naturais".

Daí o Projeto de Lei induzir que existe uma "ameaça na sociedade" que leva crianças e jovens "a um desenvolvimento não natural", portanto, “anormal”.

Como medicação, bem à moda dos choques elétricos e isolamento adotados na idade média para a loucura e doenças incuráveis, e bem à moda da censura das ditaduras, o Projeto de Lei aponta um instrumento para vigiar, controlar e punir os professores que não sigam linha a linha, palavra a palavra, o texto do referido Projeto de Lei: fica instituída a Delação.

Assim, o Projeto de Lei não orienta o debate, conforme todas as democracias. Não, pelo contrário, ele convoca os pais, os alunos e todo e qualquer cidadão a quando se sentirem contrariados ou desrespeitados, antes de buscarem compreender os fatos dentro da própria unidade de ensino, apresentarem a denúncia ao Ministério Público:

"Programa Escola sem Partido: Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato. Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade."

DEIXO, AQUI, ALGUMAS PERGUNTAS:

 - SERÁ QUE ESCOLAS E PROFESSORES DETERMINAM A ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E JOVENS?

2 - SERÁ QUE ESCOLAS E PROFESSORES TÊM O PODER DE DETERMINAR A IDENTIDADE DE GÊNERO DE CRIANÇAS E JOVENS?

3 - OS FILMES, NOVELAS, AS PEÇAS DE TEATRO, OS JORNAIS, REVISTAS, LIVROS E MÚSICAS QUE LEVAM À COMPREENSÃO DA DIVERSIDADE DE GÊNEROS E DE ORIENTAÇÃO SEXUAL PRESENTES NA SOCIEDADE CONTRIBUEM PARA INFLUENCIAR A ORIENTAÇÃO SEXUAL E A IDENTIDADE DE GÊNERO DE CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS OU SÃO INSTRUMENTOS PARA ACABAR COM O PRECONCEITO, COM A DISCRIMINAÇÃO E COM A VIOLÊNCIA?
4 - GARANTIR QUE AS DIFERENÇAS SEJAM COMPREENDIDAS, ACOLHIDAS E RESPEITADAS AMEAÇA A SOCIEDADE OU A TORNA MAIS JUSTA?

5 - HÁ OU NÃO HÁ PRECONCEITOS E INTOLERÂNCIA PRESENTES NESTE PROJETO DE LEI "ESCOLA SEM PARTIDO"?



 _________

1 – Assistente Social, professora universitária e cidadã que defende a qualidade, a universalidade, a equidade e a integralidade do ensino público brasileiro. 

Obs: Entre as produções acadêmico-científicas produções, destaca-seMorte materna: uma expressão da ‘questão social’, publicado pela Revista Serviço Social e Sociedade nª 102. São Paulo: Cortez, 2010. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010166282010000200004&script=sci_abstract&tlng=pt ; 


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