De quando em quando o meu passado
bate à porta... Nem sempre à porta física, de madeira ou alumínio. Nesses
tempos globais, a janela se impõe como entrada principal.
De quando em quando o passado pousa no
parapeito de minha janela. Ao vê-lo por traz das vidraças iluminadas, nem
sempre transparentes, embaçadas pela chuva, pelo frio e mesmo pela poeira das
idas e vindas do sol, da lua, das estrelas, dos dias...
Cheguei em paz com o meu passado, por isso, sempre
abro as janelas e o deixo livre para entrar. Às vezes, ele chega em voos
rasantes, noutras, em altos voos, dá uma cambalhota, desce como em queda livre
e espalha tudo o que não mais lembrava de haver por ali. São passados distantes
e passados próximos.
Tem passado que logo bate as asas apressado e
segue o seu rumo. Há aquele que precisa de descanso, necessita repousar as asas
no dorso do próprio corpo ou nos braços de presentes amigos. Precisa cuidar de
chagas, cicatrizes, dores...
Todo passado tem um
canto, às vezes roucos, às vezes estridentes. Às vezes, tem um canto límpido de
passado leve, noutras, solta um canto interrompido, sufocado, silenciado pelas
grades da gaiola.
Já encontrei um passado
saudoso que guiado pelas trilhas de uma nova realidade, bateu à minha janela.
Era um passado cheio de medo, colarinho fechado, mangas compridas com punho
abotoado. Um passado fóbico. Por medo, não pousou, bateu asas e voltou.
Também estive com um passado terno, olhos
iluminados, espelho do céu. O seu canto, porém, soava acinzentado. E esse
passado, esse doce passado também pousou à minha janela, ficou frente a frente
a mim e se foi... Pretérito mais que perfeito.
Agora, abro a minha janela para revoada de Passado
convidando-me a um breve voo. Abro o meu melhor sorriso e entoo o meu melhor
canto, aquele em que usamos todas as notas, todas as escalas, todos os acordes.
Aquele canto amigo e para o amigo para quem não se teme desafinar...
No início, aquela revoada temia que o canto
plural assustasse e desagregasse o conjunto. Pediam um canto de uma nota só, no
máximo duas, talvez. Rogavam, em prol do Sol em Lá, que se cantasse em Ré, com
variação em Dó, num tempo Breve.
E nesse Passado em revoada, o centro sufocava
um Dó maior de barítono e soprano dramáticos, num baixo profundo... Ao longe, tecendo
o horizonte, Lá anunciando o Sol.
Eu, um Presente do Futuro destoante, com o meu
canto lateral, voando do Si ao Dó, pousando em Fá e Lá, mergulhando ao Sol, com
pausas em Mi e Ré...
E ao olhar a revoada, temi não conseguir voar com
canto de uma nota só. Pousei na penumbra de minha sala, espreitando a janela,
por instantes semiaberta, querendo receber o Presente do Passado.
Depois
de uma Máxima, a longa pausa onde se ouve o estrondo do silêncio, o Passado
presente se abriu em coro para o nosso voo ao Futuro do Presente plural.
Luzia M. Cardoso
RJ, 11\03\2017
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