Obra licenciada por Creative Commons

Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons.

sábado, 11 de março de 2017

Presente do Passado em Sol Maior



            De quando em quando o meu passado bate à porta... Nem sempre à porta física, de madeira ou alumínio. Nesses tempos globais, a janela se impõe como entrada principal.
De quando em quando o passado pousa no parapeito de minha janela. Ao vê-lo por traz das vidraças iluminadas, nem sempre transparentes, embaçadas pela chuva, pelo frio e mesmo pela poeira das idas e vindas do sol, da lua, das estrelas, dos dias...


Cheguei em paz com o meu passado, por isso, sempre abro as janelas e o deixo livre para entrar. Às vezes, ele chega em voos rasantes, noutras, em altos voos, dá uma cambalhota, desce como em queda livre e espalha tudo o que não mais lembrava de haver por ali. São passados distantes e passados próximos.
Tem passado que logo bate as asas apressado e segue o seu rumo. Há aquele que precisa de descanso, necessita repousar as asas no dorso do próprio corpo ou nos braços de presentes amigos. Precisa cuidar de chagas, cicatrizes, dores...
Todo passado tem um canto, às vezes roucos, às vezes estridentes. Às vezes, tem um canto límpido de passado leve, noutras, solta um canto interrompido, sufocado, silenciado pelas grades da gaiola.
Já encontrei um passado saudoso que guiado pelas trilhas de uma nova realidade, bateu à minha janela. Era um passado cheio de medo, colarinho fechado, mangas compridas com punho abotoado. Um passado fóbico. Por medo, não pousou, bateu asas e voltou.
Também estive com um passado terno, olhos iluminados, espelho do céu. O seu canto, porém, soava acinzentado. E esse passado, esse doce passado também pousou à minha janela, ficou frente a frente a mim e se foi... Pretérito mais que perfeito.
Agora, abro a minha janela para revoada de Passado convidando-me a um breve voo. Abro o meu melhor sorriso e entoo o meu melhor canto, aquele em que usamos todas as notas, todas as escalas, todos os acordes. Aquele canto amigo e para o amigo para quem não se teme desafinar...
No início, aquela revoada temia que o canto plural assustasse e desagregasse o conjunto. Pediam um canto de uma nota só, no máximo duas, talvez. Rogavam, em prol do Sol em Lá, que se cantasse em Ré, com variação em Dó, num tempo Breve.  
E nesse Passado em revoada, o centro sufocava um Dó maior de barítono e soprano dramáticos, num baixo profundo... Ao longe, tecendo o horizonte, Lá anunciando o Sol.
Eu, um Presente do Futuro destoante, com o meu canto lateral, voando do Si ao Dó, pousando em Fá e Lá, mergulhando ao Sol, com pausas em Mi e Ré...  
E ao olhar a revoada, temi não conseguir voar com canto de uma nota só. Pousei na penumbra de minha sala, espreitando a janela, por instantes semiaberta, querendo receber o Presente do Passado.
 Depois de uma Máxima, a longa pausa onde se ouve o estrondo do silêncio, o Passado presente se abriu em coro para o nosso voo ao Futuro do Presente plural.

Luzia M. Cardoso

RJ, 11\03\2017

Nenhum comentário: