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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Cantos do Natal: 1 - Tia




Cantos do Natal


1- A Tia



Amanhecera mais um vinte e cinco de dezembro e a família, já um tanto despencada, se aprontava para o almoço de Natal. Como de costume, a reunião se dava na casa materna, que se encolhia.

Décadas atrás, a casa era mais espaçosa e abraçava mais de dez pessoas. Alguns, aguardavam o almoço jogando buraco, outros, dando peruadas no desenrolar do jogo de uns e outros. Havia aqueles que conversavam à sala, vendo televisão, as crianças brincando e os adolescentes sonhando.

Sim, era uma casa com espaços amplos, embora nunca tivesse área para ir além daqueles cerca de setenta metros quadrados, distribuídos em dois quartos, dois banheiros, uma copa, uma cozinha, uma sala de estar e outra de jantar, com um pequeno quintal que quase a circundava.

Agora, aquele mesmo espaço parecia se fechar para receber a família: um único cômodo com uma mesa, uma cômoda e algumas cadeiras.

E naquele vinte e cinco de dezembro, mãe, quatro das cinco filhas, genro, uma neta com seu esposo e sua filha, uma das bisnetas, um dos netos e uma tia, irmã da matriarca, com sua acompanhante, se reuniriam para o almoço de Natal.

A família já não se reunia completa, visto que alguns membros já haviam partido definitivamente, enquanto outros estavam a se espalhar pelo mundo.

Nos arredores do meio dia, um a um se somava aos que na casa já estavam. Por último, chagariam aqueles que trariam a tia com a sua acompanhante.

A tia, uma senhora de quase noventa anos, pele alva, com sulcos profundos, cabelos muito curtos, tomados pela neve e olhos que se afundavam em uma bolsa que parecia se nutrir de lágrimas.

A cadeira de balanço da varanda imediatamente abre os braços para acolher a tia que, chegando, se sentava, se apoiando  na acompanhante.

Sempre séria e sisuda aquela tia. A sua juventude e a maturidade se desenharam banindo o sorriso de seu rosto. O tempo resolvera roubar-lhe as estrelas, a lua, o sol, as flores, os pássaros...

O tempo deu-se a aterrorizar aquela tia, exilando-a em noite profunda, embora, agora, parecesse ter-lhe dado uma trégua. A tia tinha um rosto de nuvens que refletia os temporais e ventanias pelas quais passara.

E lá ficou a tia na varanda, sentada na cadeira de balanço sob os olhares entediados da cuidadora, sua acompanhante.

Como que para romper com aquela monotonia, quando alguém passava por ela, a tia, subitamente, o surpreendia com um beliscão e um “Vai tomar no cu” arremessado na cara.


Luzia M. Cardoso


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