Cantos do Natal
1- A Tia
Amanhecera mais um vinte e cinco de
dezembro e a família, já um tanto despencada, se aprontava para o almoço de
Natal. Como de costume, a reunião se dava na casa materna, que se encolhia.
Décadas atrás, a casa era mais
espaçosa e abraçava mais de dez pessoas. Alguns, aguardavam o almoço jogando
buraco, outros, dando peruadas no desenrolar do jogo de uns e outros. Havia
aqueles que conversavam à sala, vendo televisão, as crianças brincando e os
adolescentes sonhando.
Sim, era uma casa com espaços amplos,
embora nunca tivesse área para ir além daqueles cerca de setenta metros
quadrados, distribuídos em dois quartos, dois banheiros, uma copa, uma cozinha,
uma sala de estar e outra de jantar, com um pequeno quintal que quase a
circundava.
Agora, aquele mesmo espaço parecia se
fechar para receber a família: um único cômodo com uma mesa,
uma cômoda e algumas cadeiras.
E naquele vinte e cinco de dezembro,
mãe, quatro das cinco filhas, genro, uma neta com seu esposo e sua filha, uma das bisnetas, um dos netos e uma tia, irmã da matriarca, com sua acompanhante, se reuniriam para o
almoço de Natal.
A família já não se reunia completa,
visto que alguns membros já haviam partido definitivamente, enquanto outros
estavam a se espalhar pelo mundo.
Nos arredores do meio dia, um a um se
somava aos que na casa já estavam. Por último, chagariam aqueles que trariam a
tia com a sua acompanhante.
A tia, uma senhora de quase noventa
anos, pele alva, com sulcos profundos, cabelos muito curtos, tomados pela neve
e olhos que se afundavam em uma bolsa que parecia se nutrir de lágrimas.
A cadeira de balanço da varanda
imediatamente abre os braços para acolher a tia que, chegando, se sentava, se apoiando na acompanhante.
Sempre séria e sisuda aquela tia. A
sua juventude e a maturidade se desenharam banindo o sorriso de seu rosto. O
tempo resolvera roubar-lhe as estrelas, a lua, o sol, as flores, os pássaros...
O tempo deu-se a aterrorizar aquela
tia, exilando-a em noite profunda, embora, agora, parecesse ter-lhe dado uma
trégua. A tia tinha um rosto de nuvens que refletia os temporais e ventanias pelas
quais passara.
E lá ficou a tia na varanda, sentada
na cadeira de balanço sob os olhares entediados da cuidadora, sua acompanhante.
Como que para romper com aquela
monotonia, quando alguém passava por ela, a tia, subitamente, o surpreendia com
um beliscão e um “Vai tomar no cu” arremessado na cara.
Luzia M. Cardoso
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