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sábado, 10 de abril de 2010

Machado de Assis e a Administração Pública Brasileira

Falar da importância de Machado de Assis pode, à primeira vista, parecer uma brincadeira, visto tratar-se de um fato inquestionável. Contudo, dois séculos depois de sua morte, muitos jovens e adultos, possivelmente, desconhecem sua obra e, talvez (?), jamais tenham ouvido falar de seu nome, quiçá de sua história. Alguns por ainda não terem se alfabetizado, outros por integrarem o grupo denominado de “analfabetos estruturais”, ou seja, pessoas que tiveram uma escolarização deficiente.

Poeta e romancista, Machado de Assis se destacou muito na sociedade brasileira do Século XIX, apesar de sua origem das camadas populares. Filho de operário e morador do que hoje seria considerado como periferia da antiga capital da República. (1) O destino profissional e social de Machado de Assis foi, sem dúvida, uma exceção, diferente do destino de vários outros Joaquim, Francisco ou José de sua geração.

Importante também é lembrar a passagem de Machado de Assis nas instituições públicas do Estado, pois foi também funcionário público, de aprendiz, na Tipografia Nacional, a diretor do Ministério da Aviação. Por isso, conhecia bem o interior da administração estatal, tanto os privilégios dos altos cargos quanto a exploração e os sonhos de ascensão funcional dos “barnabés”. Sonhos esses que muitas vezes viravam pesadelo, quando tais funcionários precisavam “devolver” algum cargo comissionado, assumido na interinidade , pois a ascensão funcional era de difícil realização, tendo em vista a inadequação do plano de cargos e carreira, ainda presente no serviço público, duzentos anos depois (?!). (2)

Irônica realidade e, talvez, o recorte dado à discussão surpreenda o leitor, principalmente se você fizer coro às vozes que ressoam pela mídia e que divulgam a imagem de o funcionário público ser uma espécie de uma parasita do Estado. Mas, não é assim, e também não era no período Imperial. Nem todos aqueles que trabalham nas instituições do Estado sugam ou sugaram os recursos públicos e Machado de Assis pôde mostrar isso ao descrever o cotidiano de algumas de suas personagens.

Ficção? Não. Apesar do caráter não científico de obras literárias, é a realidade conhecida que alimenta o imaginário dos autores, os quais a descrevem com novas cores, contornos e odores ao desenharem o cenário de suas histórias.

Lembremo-nos de “Dom Casmurro”, publicado no anoitecer do século XIX. Falo do pai de Capitu. Funcionário público “em repartição dependente do Ministério da Guerra” . Barnabé. Não ganhava bem...

-Então, de onde Pádua retirou dinheiro para adquirir sua casa própria? Talvez o leitor esteja indagando.

- Sim, Pádua tinha casa própria, “comprou-a com a sorte grande que lhe saiu num bilhete de loteria” . (3) E, surpreenda-se caro leitor: Pádua levava serviço para casa! Provavelmente, um esforço para obter reconhecimento profissional.

- Uma obra de ficção! Talvez seja o que você esteja pensando.

Não só. No passado isso acontecia muito, bem como na atualidade. Mas, vejo que me interroga, querendo saber onde eu quero chegar.

A falta de um plano de cargos e carreira, e a ilusão do serviço público são, apenas, alguns dos fenômenos socioculturais tratados, de forma brilhante, por Machado de Assis. Muitos dos textos que compõem a obra do autor trazem uma crítica social e política, por vezes, quase imperceptível, como em “A Mulher de Preto”, das “Crônicas Fluminenses”.

A fim de se aproximar do médico, Dr. Estêvão Soares, o deputado Meneses combinou um encontro em sua casa que foi assim relatado por Machado de Assis: “Estêvão marcara a hora da visita, que impossibilitava a presença de Meneses na Câmara; mas o deputado importou-se pouco com isso: não foi à Câmara”. (4)

Esta e outras práticas de alguns políticos insistem em saltar do passado e correm alegres e livres pelos corredores da administração pública brasileira.

Vemos que a reflexão e a crítica acerca da administração pública brasileira são contribuições importantes da obra de Machado de Assis. As provocações feitas pelo autor incentivam uma revisão de valores e de comportamentos, mostrando aos jovens e adultos, da atualidade, a responsabilidade de todos na construção de uma sociedade diferente e mais democrática.

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1 Referência à história do pai de Capitu, Pádua. E sua rápida “ascensão” ao cargo de Administrador Interino, no Ministério da Guerra. (Assis, Machado. Dom Casmurro: livro do professor / Machado de Assis. 5ª ed. São Paulo: FTD, 1999. Coleção Grandes Leituras).
2 Assis, Machado. (Op. cit.: 39)
3 Assis, Machado (Ibidem).
4 Assis, Machado. A Mulher de Preto. In, Contos Fluminenses. Literatura Brasileira. Textos literários em meios eletrônicos. Núcleo de Pesquisa em Literatura, Informática e Linguística: UFSC. Disponível em http://www.cce.ufsc.br/nupill/literatura/mulherp.html. Acesso em 18 de outubro de 2008.

Por Luzia


 Crônica selecionada pelo CBJE, edição 2011, para publicação


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