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sexta-feira, 2 de julho de 2010

CAPUZINHO LILÁS

CAPUZINHO LILÁS






Era uma vez uma menina de cerca de 8 anos e que se vestia, sempre, com uma blusa lilás, com capuz. Todos a conheciam como Capuzinho Lilás.
Capuzinho Lilás vivia com sua avózinha, pois a mãe foi para fora do país, tentar uma vida melhor. Não conheceu o pai, talvez, nem mesmo a própria mãe o conhecesse.
Capuzinho Lilás residia às margens de uma floresta cinzenta, desencantada, com altos espigões e raras árvores. A menina não morava dentro da floresta, mas na periferia. Em sua casa, não tinha quarto, não tinha janela, não tinha nada... Também não tinha a poesia daquela da Rua dos Bobos. Sua casa tinha um único cômodo, paredes de tijolo sem reboco, infiltrações no teto, chão de cimento grosso.
Capuzinho Lilás não via o sol, nem de dentro e nem de fora de sua casa, pois outras casas brotavam de todos os lugares. Como não havia mais espaço para as construções se expandirem horizontalmente, elas subiam numa velocidade atroz. Assim, o sol não conseguia visitar essa criança, como também não visitava as outras que ali moravam.
Capuzinho Lilás não sonhava. Seus sonhos não vinham e não era apenas porque ela ouvia, noites e dias, os sons das metralhadoras, granadas e outras armas de fogo presentes em muitas Faixas de Gaza brasileiras. A falta de sonhos de Capuzinho Lilás não ocorria também somente devido às gargalhadas histéricas produzidas pelas drogas que rolavam soltas no local. Capuzinho Lilás não sonhava porque via seus colegas saindo em urnas fechadas para nunca mais voltarem.
Capuzinho Lilás nunca viu o horizonte, desconhecia que o céu é azul, que a lua é dos poetas, que no final do arco-íris tem um pote de ouro e que a chuva é de prata...
Capuzinho Lilás nunca teve medo de lobo mau, pois conheceu vários lobos muito cedo, quando era forçada a trocar afagos indecentes por bombons ou algumas moedas que levava para casa. Quando ia para a rua, Capuzinho Lilás não encontrava ninguém que a alertasse dos perigos, talvez porque todos os possíveis estivessem ali mesmo.
Capuzinho Lilás não procurava atalhos, pois nunca tinha certeza para onde ia ou se retornaria. Essa criança não levava cesta de frutas na mão, mas um pacote de bananadas, ou paçocas, ou jujubas, ou.... E deveria despachá-lo nos sinais de trânsito e levar, em troca, uns trocados para a vovozinha que ficava em casa com os irmãos e primos menores. Se por algum motivo Capuzinho Lilás retornasse com os doces, levava uma surra.
Devido a sua vida sem cores, ela carregava uma latinha com uma espécie de massa de cheiro forte que levava sempre ao nariz. O pó que conhecia não era o de pirlimpimpim, e a pedra que chegou a sua mão não era mágica... Com frequência, ficava pelas ruas, com outras crianças que não voavam como Peter Pan. Na rua, dormia coberta por jornais, embaixo de alguma marquise.
Capuzinho Lilás não conheceu fadas, nem príncipes, apenas os sapos e as bruxas. Não ouvia fábulas, pois o conto que vivia estava para lá dos da Carochinha... Parecendo não ter fim. Sua labuta era dura, e certamente a Gata Borralheira, ao seu lado, se sentiria a mais sortuda das meninas.
Um dia, Capuzinho Lilás, ao sair para vender suas bananadas, sentiu uma espécie de pancada no peito... E, então... nunca mais... Capuzinho Lilás.


Por Luzia

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