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sábado, 15 de janeiro de 2011

O ENCONTRO

O ENCONTRO


Luzia M. Cardoso
Rio de Janeiro, Janeiro de 2011



Mal dei-me conta de haver chegado à página final de «O espelho», um conto de Machado de Assis, levantei os olhos e percebi que tudo à minha volta havia mudado. As paredes estavam avermelhadas. Estranhei. Quase em simultâneo, a minha atenção foi alterada por um ruído monótono, insistente e ritmado. Tentei ignorá-lo e compreender o que acontecia. Não só as paredes haviam mudado de cor, tudo estava diferente: o corredor estreitara-se, as portas tinham sumido e todas as entradas arredondaram-se. O local estava vazio. Só o ruído ecoava alto, muito alto. Também o ruído dos meus passos rebatiam nas paredes, retornando como bumerangue aos meus tímpanos. Minha respiração assemelhava-se ao uivo do vento no vácuo entre as montanhas.
Obstinada, mantive-me no objetivo do reconhecimento do local. Via várias peças, algumas esverdeadas, com surtons que lembravam o marrom, contudo, predominavam as nuances do vermelho.

Tudo estava úmido, intenso e na penumbra. Vez por outra, notava certo brilho, como faíscas azuladas. De repente, novo susto: a instalação hidráulica e a elétrica estavam expostas. Seria possível? Precisava de descansar. Tudo era ou me parecia sobrenatural, além de haver coisas que insistiam em grudar em mim, por mais que as expulsasse. Deveria estar alucinando.
Na busca de refúgio, deparei-me com um foco luminoso. Para lá quis ir. Tentei correr, apesar das limitações impostas por um emaranhado de fios grudentos que em mim enrolavam-se. Num esforço sobrehumano, entre idas e vindas, feita io-iô, arrastei-me... Mas o ruído, aquele ruído monótono, insistia:  
Tum, tum, tum... Tum, tum, tum.. Tum, tum, tum... Tum, tum, tum..
Cada vez mais alto...
TUM, TUM, TUM... TUM, TUM, TUM... TUM, TUM, TUM...
Cada vez mais forte...
"TUM, TUM, TUM...
TUM, TUM, TUM...
TUM, TUM, TUM...
 
E cada vez mais próximo...
TUM, TUM, TUM. . .
TUM, TUM, TUM...
Desesperei-me e briguei. Arrastei-me... arranhei-me... lambuzei-me ... ignorei-me... Ahhh!
E um Tum, tum, tumtomava conta de mim, possuindo-me... e, filtrando-me, incorporava-me e expulsava-me.
Sem sequer entender como, vi-me no meio de uma esfera gelatinosa, um corredor estreito e escuro. Em uma das extremidades havia um feixe de luz, que ora aumentava, ora quase sumia. Continuei arrastando-me, pois precisava encontrar uma saída. Já estava sufocada. 
 
Para minha surpresa, deparei-me com uma parede gelatinosa e transparente. Ali, fiquei, de mãos espalmadas, nariz grudado e olhos esbugalhados.

“Cada criatura humana traz duas almas consigo:
uma que olha de dentro para fora,
outra que olha de fora para entro...”



Fim

Referência Bibliográfica.

ASSIS, Machado. O Espelho. In, Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II.
Disponível em

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