As
linhas que separam o público do privado ficam invisíveis quando o segundo
adquire a concessão de administrar o primeiro. Propriedade privada e patrimônio
público, o que pertence a um e o que pertence a todos. Essa é uma grande
questão.
Hoje,
um pouco antes de iniciar o meu trabalho, fui conhecer a estação do teleférico
do Morro do Alemão, em Bonsucesso, Rio de Janeiro. Entraria no trabalho as
8:00h e cheguei as 7:20h. Tinha tempo. Não para atravessar os 3,5 Km integrados
pelos cabos do teleférico do Complexo do Alemão, mas somente para conhecer a
estação de Bonsucesso.
Não
tive dúvidas e dirigi-me para lá. Desci a Av. Paris, atravessei a Rua Leopoldo
Bulhões, para subir à escada que é comum tanto para a estação ferroviária, da
Linha Saracuruna, quanto para o recém-criado teleférico.
Não consegui subir de imediato. A hora era do rush e uma massa humana descia aqueles degraus. Precisei deixar a corrente abrandar. Em menos de cinco minutos já conseguia subir na contramão da correnteza. Ao entrar tive uma boa surpresa com a limpeza, boa manutenção e iluminação, escadas rolantes e elevadores para o patamar seguinte, que dá acesso ao teleférico. Verifiquei que o bilhete para o teleférico custava R$ 1,00.
Resolvi
caminhar pelo andar de acesso à estação ferroviária e deparei-me com três painéis
lindíssimos, feitos na parede, em mosaicos coloridos. Um indicando o nome da
estação “Bonsucesso”, com desenhos retratando as pessoas na comunidade.
Outro
com a legenda “Todos Juntos” com desenhos de pessoas de várias cores, tamanhos,
adultos, crianças, cadeirantes e que juntos formam o desenho de um morro.
O terceiro
era uma baiana estilizada, lembrando a Carmem Miranda e era o único que estava
assinado por Romero Brito.
Todos os painéis em cores intensas. Havia também um belo quadro
com desenho estilizado dos caminhos dos cabos do bondinho subindo para outra
estação do Complexo Alemão.
Segundo as pesquisas que fiz na Internet, os painéis foram feitos com a participação dos moradores.
As
paredes externas em vidro permitem a vista para a Praça das Nações, de um lado,
e do outro, para a via férrea, com o movimento do teleférico ao alto. Uma bela
vista.
Feliz
da vida, e com um imenso prazer com tudo o que via, peguei o meu celular e comecei a fotografar. Em seguida, dirigi-me à bilheteria,
desejando comprar um bilhete para o patamar do teleférico, embora não tivesse
tempo para atravessar o Complexo do Alemão, estava disposta a pagar a tarifa
apenas para conhecer o andar de cima.
Ah,
mas nem tudo que reluz é ouro!! Ao dirigir-me ao caixa, a funcionária, embora de
forma muito educada, no estilo funcionário padrão que busca a ascensão
funcional na empresa, questionou-me se eu tinha autorização para fotografar. Disse-lhe,
surpresa, que “não”. Em tom delicado, mas firme, prontamente disse: “Não pode
fotografar sem autorização. Isso aqui é propriedade privada.” E devolveu-me o
dinheiro, em vez de me dar o bilhete para subir ao andar de acesso ao
teleférico.
Sem
graça, constrangida e bastante confusa, sai da estação e fui para a empresa
onde trabalho aguardar o horário do início de minha jornada.
Enquanto
esperava, comecei a lembrar que a malha ferroviária do estado do Rio de Janeiro
data do século XIX, e que passou por várias mudanças, com fechamento de ramais,
sob administração federal, e depois para
a estadual, com mudanças de razões sociais das empresas que obtinham a
concessão de administrá-la: Estrada de
Ferro Central do Brasil (EFCB), do início da República até os anos 50; Rede Ferroviária
Federal Sociedade Anônima (RFFSA) até os anos 80; Companhia Brasileira de Trens
Urbanos (CBTU) até os anos 90; Companhia Fluminense de Trens Urbanos
(FLUMITRENS), privatizada em 1998, leiloada e adquirida pela SupeVia, atual
administradora de toda a malha ferroviária do estado do Rio de Janeiro, inclusive
do teleférico do Complexo do Alemão, que se integrou à malha desde a sua
inauguração, em julho de 2011.
Ah, mas se as empresas administradoras da malha ferroviária alegam que investem em manutenção, reformam equipamentos, contratam recursos humanos etc, elas logo restituem o
seu capital com o valor das tarifas cobradas aos passageiros. Afinal, trata-se
de um negócio e é, portanto, altamente lucrativo. Por outro lado, a malha
ferroviária do estado do Rio de Janeiro também se ergueu com recursos públicos
ao longo de toda a história. Recursos esses cujas principais fontes são os
impostos pagos por todos nós, a população brasileira. Somente para elaboração do projeto do Complexo do Alemão, segundo a Rocinha.org, o governo do estado do Rio de Janeiro pagou R$ 12 milhões. O teleférico do Complexo do Alemão, classificado como "obra pública", pelo vice-governador do estado, em entrevista ao jornal Estadão de 07 de julho de 2011, foi construído com recursos públicos, inclusive do Projeto do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC). Segundo a BBC Brasil, também de 07 de julho de 2011, saíram dos
cofres públicos R$ 210 milhões, sem contar com os
custos da operação de ocupação e implantação das Unidades de Polícias
Pacificadoras (UPP’s), imprescindíveis para garantir os interesses das
concessionárias.
E
aí eu me pergunto: Por que o cidadão brasileiro tem que pedir autorização para
fotografar um bem público? Será que os turistas também são impedidos de
fotografar? Ou será que seu bilhete já vem com uma autorização? E com tanto investimento de recursos
públicos, como que funcionários da SuperVia podem dizer, e acreditar, que o prédio da estação
ferroviária ou qualquer das estações do teleférico do Complexo do Alemão é uma propriedade privada? Então, se a SuperVia quiser ela poderá
fechar as portas, derrubar cada pilar das estações, vender as dormentes dos
trilhos? Enrolar os cabos dos teleféricos e levar embora cada gôndola? Será que pode?
Afinal, uma empresa ao adquirir a concessão para administrar um patrimônio público passa a ser proprietária do mesmo?
E como não me pediram para apagar as fotos, entendo que podiam ser feitas.
E como não me pediram para apagar as fotos, entendo que podiam ser feitas.
Luzia M. Cardoso
Fontes de consulta
Emop\ Governo do Estado do Rio de Janeiro: http://www.emop.rj.gov.br/noticia_dinamica1.asp?id_noticia=325
O Estadão\Política http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,vice-de-cabral-agradece-empreiteira-ao-inaugurar-teleferico-no-complexo-do-alemao,742031,0.htm
O Globo Rio http://oglobo.globo.com/rio/paineis-vao-decorar-teleferico-do-complexo-do-alemao-2915501
Wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/SuperVia
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