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domingo, 10 de março de 2013

Faltam porcas e parafusos

         Faltam porcas e parafusos


Início de ano: IPTU, material e uniforme escolar, quota anual do Conselho, IRPF... E tudo numa abocanhada só, como se não tivéssemos as despesas inerentes à vida de todo dia: alimentação, transporte, vestuário, taxas de água, luz, gás etc. etc. E no Rio de Janeiro, temos ainda o IPVA, cujo valor está entre os quatro mais altos cobrados no Brasil.

Cumpri a minha parte, ou sina, pagando todos os impostos. Mas eis que chega março, e com ele as suas águas “fechando o verão”, sem trazer brisas na inflação. E foi assim que passei pelo dia 6 de março, passei pelas águas. Água por todos os lados. Água clara, água turva, com lixo e dejetos. Água que caia do céu, que espirrava do lado, que puxava no chão. Precisei parar e aguardar a chuva abrandar e a água escoar para prosseguir, logo após, em segurança.

Enfim, duas horas após, cheguei ao meu “porto seguro”. Estacionei o carro, peguei o guarda-chuva e fui descansar, em casa. Longo dia, longa noite. Muito estresse.

No dia seguinte, retorno à rotina: acordar, organizar-se, pegar o carro para trabalhar e... Qual não foi a minha surpresa! Deparei-me com o sumiço da placa dianteira de meu veículo.  As águas a levaram, pois na noite anterior, as ruas viraram rios. Encheram, devido ao lixo, às obras da prefeitura, à precária rede de águas pluviais, ao assoreamento de rios e riachos, à falta de cuidados para com a nossa cidade. E por ter passado por tantas ruas alagadas, certamente, a minha placa dianteira saiu boiando.

E amanheci, no dia seguinte, tendo que fazer nova placa, pagar mais dois DUDA’s (um valor para a confecção de perdida e outro para a tarjeta que informa a cidade e a numeração) e sob o risco de ser multada pela falta da placa dianteira.

Liguei ao órgão responsável para seguir as orientações. Paguei tudo e fui ao mais próximo.

Ah, tem dias que deveríamos pular. Cheguei ao local indicado e, depois de aguardar a fila, com muitas pessoas com placas perdidas nas enchentes, chega a minha vez. E me pedem os seguintes documentos, com cópia: DUDA’s pagos e já compensados, carteira de identidade, CPF e documento comprovando o endereço do local de residência.

Quando pedi orientações ao telefone, não haviam me informado da necessidade dos tais documentos, no entanto, a meu ver, eu tinha tudo, todos os originais, faria as cópias na loja ao lado e, com relação ao comprovante de residência, o documento do carro era um. Mas assim não compreendia aquele órgão público. Cobrava-me o último documento, o comprovante de residência. E eu argumentava:

- Meu licenciamento anual do carro está em dia. Nele consta também o meu endereço. Por este endereço recebo as multas, quando as cometo. Tal documento foi emitido por vocês, um órgão público e idôneo e não serve?

E para a minha surpresa, ouvi:

- Não. Precisa ser algum comprovante de residência que chegue à senhora pelo malote da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Não acreditei. Parecia pegadinha. Então, só me restava ir até a minha casa e pegar uma conta de luz ou telefone. Olhei o relógio. 14h:45min, então perguntei:

- Até que horas vocês funcionam?

Responderam-me:

- Até ás 19h, mas a senhora deverá estar aqui até às 15h.

Tive que rir. No trânsito do Rio, só de helicóptero. De onde estava à minha casa eram cerca de 20 km para ir, mais 20 km para voltar. Percorrendo o trajeto fazendo, em média, 60 km\h, acrescentando o tempo de parada nos sinais de trânsito e das retenções, precisaria, no mínimo de 60 minutos para a tarefa.

Argumentava daqui, contra argumentavam de lá. A hora passando... Até que meio que vencido, o funcionário faz contato com outro e estende o horário até às 18h. Segui o meu rumo, com os funcionários da prefeitura ainda nas ruas para limpá-las, pois havia de tudo no caminho, de terra a árvores caídas. Consegui fazer o percurso, ida e volta em tempo menor do que me deram, pois retornei ao órgão público às 17h.

Estacionei e dirigi-me ao guichê com todos os documentos originais e suas respectivas cópias, além dos DUDAs pagos, e pagos em dinheiro e no banco que recebe para o órgão e... Ah, a funcionária me avisava que o sistema ainda não informava ter recebido meu depósito.  Tive que aguardar, pois o tal sistema foi reconhecer o meu pagamento por volta das 18h.

Com o sistema ciente de meu pagamento, eu fui chamada pelo nome ao guichê e recebo um papel com o número de minha placa e a orientação para dirigir-me a outra porta. Segui a indicação, entreguei o tal papel a outro funcionário, aguardei a confecção da placa, levei o meu carro para onde me indicaram para prenderem a fugitiva ao seu lugar em meu automóvel. Chega a hora do re-emplacamento dianteiro de meu carro. O funcionário conferia a placa e a tarjeta. Sentindo falta de algo, me indagou:

- Senhora, cadê os parafusos?

Não entendi, ou não acreditei no que ouvia. Questionei:

- A placa não vem com os parafusos¿ O pagamento da placa e da tal da tarjeta não incluía as porcas e os parafusos?

Ouvia como resposta, de forma simples, direta, de forma muito educada e com voz calma, a fala mais lúcida daquelas horas:

- Não, aqui não temos nem porcas e nem parafusos.

Não consegui conter o riso, pois caía a ficha. Se faltavam porcas e parafusos, tudo o que vivi fazia muito sentido.


Luzia M. Cardoso
RJ, 10\03\2013

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