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sábado, 30 de novembro de 2013

Um Folhetim cheio de Preconceitos, Estigmas e Distorções


Um Folhetim cheio de Preconceitos, Estigmas e 

Distorções




Diante da telinha, boquiaberta com tantos estereótipos e preconceitos presentes no folhetim de audiência global, como o empresário rico e ingênuo, a "solteirona megera", profissionais corruptos, entre outros. Eis que, esta semana, vejo-me diante de mais uma pérola, denegrindo a imagem de dois profissionais que compõem a equipe interprofissional do sistema sócio-jurídico: Assistentes Sociais e Psicólogos.

Há, na trama, um casal gay que buscou adotar uma criança, além de ter caído nas malhas da tal "solteirona megera" nas tentativas de barriga solidária. Mas voltando à adoção, depois de ponderações e reflexões, o casal segue os trâmites legais da adoção. Busca o setor oficial, é entrevistado e avaliado pelos técnicos, decide por um perfil de criança menos procurado para a adoção, vai aos abrigos e lá encontra o menino que decide adotar. 

Evidentemente que antes de a criança ir para a casa do casal, para cumprir o período de adaptação, há um processo que corre pela Vara da Infância e Juventude para conceder a guarda provisória à nova família. Apesar da necessidade do período de adaptação, a oficialização da guarda provisória é indispensável, visto que durante aquele período o casal ficará responsável pela supervisão e cuidados para com a criança, devendo prover as suas necessidades e resguardar os seus direitos.

E a partir de então, na rolagem do folhetim, deparamo-nos com os equívocos. 
Vejamos:

1 - Os técnicos do sistema sócio-jurídico agendam uma visita, evidentemente que nas entrevistas anteriores eles solicitaram informações dos adotantes, tais quais telefones, endereços, profissão, horário de trabalho etc, a fim de poderem acompanhar o estágio de convivência, conforme o artigo 45º do Estatuto da Criança e do Adolescente,

"§ 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida."

2 - Apesar de todas estas informações sobre o casal candidato à adoção estarem lá disponíveis nos documentos da instituição, eis que a personagem Assistente Social liga, em horário de trabalho, para a residência do adotante, para confirmar a data de visita. É atendida por uma terceira pessoa que não consta em seus documentos, mas mesmo assim, é com ela que agenda, desmarca e remarca a visita domiciliar;

3 - Evidentemente que no momento em que a criança é matriculada em escola, ou transferida essa informação deveria constar nos documentos da instituição que avalia a adoção, bem como o horário em que a criança se insere.

4 - Espera-se que nesse período de adaptação, os técnicos confirmem a matrícula da criança na escola, visto tratar-se de um direito, visando assegurar o cumprimento do artigo 33º do Estatuto da Criança e do Adolescente: 

"A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais."

5- As personagens Assistente Social e a Psicóloga chegam à residência, conforme o agendamento feito com uma terceira pessoa. Em dia útil e horário comercial e escolar. Não encontram os adotantes e tampouco o menino mas, mesmo assim, entram e fazem uma espécie de "sondagem" com a pessoa que as recebem. E ouvem a sua história e acreditam em suas palavras, ou seja, de que o casal candidato está se separando e julgam ali que aquela família, com a nova configuração, trará prejuízo para o desenvolvimento da criança. 

6- As personagens Assistente Social e a Psicóloga, na casa dos candidatos à adoção do menino, veem quando o mesmo chega da escola, devidamente acompanhando com um dos candidatos à sua adoção. Uma cena carregada de zelo e afeto. 
Se naquele momento, parecia que as personagens-profissionais seguiram o artigo 42º parágrafo 2º do ECA:

" Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família."

E ao mesmo tempo, parece que as mesmas personagens-profissionais desconsideravam, ou desconheciam, o parágrafo 4º e 5º da mesma Lei:

" § 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão."

"§ 5º Nos casos do § 4º deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil."

6 - As personagens-profissionais não precisaram ouvir os candidatos à adoção, não precisaram ouvir o menino, os professores. Não, bastou a fala de uma terceira pessoa desconhecida no processo. As personagens psicóloga e a assistente social ignoram a cena de cuidado e afeto que presenciaram, e cegas, foram guiadas pela intriga, e imediatamente, decidiram levar a criança de volta para o abrigo. Decidiram, ali, sem avaliação alguma, sem ouvirem os responsáveis, sem ouvirem a criança, sem ouvirem a escola. Não pensam nos prejuízos emocionais que tal ato poderia gerar à criança. Abruptamente, elas retiram a criança de seus guardiões: sem mandato, sem fato, sem provas.

Será que é assim mesmo que os profissionais de Serviço Social e de Psicologia agem na vida real? 

A minha experiência diz que não. Ignora o autor do folhetim que, no âmbito legal, as coisas não acontecem assim. Para um técnico decidir por levar uma criança de seus responsáveis (e na qualidade de guardiões os candidatos à adoção são os responsáveis legais) é necessário constatar maus-tratos ou risco iminente e, mesmo nestes casos, ao abrigando a criança, imediatamente, os profissionais precisam oficializar o fato junto ao Juiz da Vara da Infância e Juventude, em processo e com provas.

Naquela situação da novela, a ideia de "lar com problemas" está carregada de subjetividades que necessitaria de uma avaliação mais profunda, não podendo os técnicos utilizarem da emoção, baseando-se pela intriga feita por terceiros e, tampouco, não poderia recorrer a ação autoritária, utilizando-se abusivamente de seu "poder", para cancelar, elas mesmas, sempre processo, a guarda provisória expedida pelo Juiz.

E é assim que a imagem de profissionais vai sendo manchada, levando a população a temer a assistência dos mesmos, em vez de buscá-la.

Lamentável!

Luzia Magalhães Cardoso 
RJ, 30\11\2013

Referência

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