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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Carolina na Janela

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    Toda ação humana tem um objetivo, uma finalidade, uma intencionalidade, no entanto, com liberdade limitada, tanto na própria ação humana quanto na consecução de seus objetivos. Isso ocorre porque o ser humano é um ser coletivo, um ser social, um ser em relação social. Assim sendo, somos seres que encontra no outro o nosso limite, quando não encontramos a nossa negação.
  Considerando a ação coletiva da humanidade, a intencionalidade individual, presente na consciência de quem age, se restringe, na maioria das vezes, aos seus objetivos e passos imediatos, perdendo os nexos com muitos de seus determinantes. Por isso, a realidade do ser social se apresenta extremamente complexa, de forma que nem tudo é como parece ser.
     Desta forma, não foram tão espontâneas nem, tampouco, acéfalas, as marchas de junho de 2013, embora a face aparente assim nos fizesse crer. Contudo, a intencionalidade começou a se revelar já na apresentação dos novos atores que se fizeram conhecer nos anos subsequentes, quando um pato tomou a Avenida Paulista e outras marchas invadiram orlas e ruas de bairros abastados, revelando, em seu movimento e processo, que havia um velho e conhecido cérebro por trás de tudo.
    As marchas litorâneas que exigiram a queda da presidente da República alcançaram os seus objetivos. Mesmo sem crime de responsabilidade, o impeachment foi concretizado. Dando continuidade ao caminho lá traçado, congelou-se por 20 anos os gastos com as políticas sociais. Na esteira, aprovaram a reforma trabalhista e outros tantos projetos que ameaçam as reservas naturais e que retiram direitos da população. Os velhos cérebros vão abrindo canais para o escoamento além-mar de nossas riquezas e seguem tocando a pauta da reforma da Previdência Social, com o mais antigo toma lá, dá cá, para manterem o poder nas mãos que nos expropriaram a democracia.
Aumentam o tom condenando Lula a cumprir uma pena que visa, antes de tudo, impedi-lo de se candidatar às novas eleições presidenciais. Desafiam-no a retornar em seu centenário, ao arremate do confisco de seus bens. Ao mesmo tempo, aos seus semelhantes, mesmo com provas materiais incontestáveis de participação em corrupção, asseguram-lhe o prêmio da delação, preservam-lhe a liberdade e o patrimônio, como que se qualificando como delação a fala de corruptores e corrompidos lhe assegurasse a veracidade. Para as esposas de uns poucos, consideram insuficientes aquelas mesmas provas cabais que incriminam os maridos e, a estes, embora incriminados, permitem o cumprimento da pena no conforto luxuoso de seus lares.
Processos apodrecem nas engavetas quando não são imediatamente arquivados, mantendo corruptores e corruptos naqueles mesmos espaços de poder onde podem continuar obstruindo a justiça, rescindindo na mesma velha prática, ilícita e daninha à nação. Os velhacos mostraram a sua cara, transgredindo normas, limites, tomando conta de espaços, tentando apagar o legado histórico do povo brasileiro e seguem tocando a sarabanda.
Enquanto tudo isso ocorre, as esquerdas, atônitas e acantonadas, permanecem marcando passo, mantendo-se em parada cívica, na mesma praça, na mesma hora, na mesma avenida, no mesmo ponto. As esquerdas brasileiras não chegam onde o povo está, não mais o esclarece sobre o que acontece no país. São esquerdas high-tech que desconhecem seu papel. Não panfletam mais em portas de fábricas, nos pontos de transportes coletivos nem nos bairros de quem vive do trabalho. Desaprenderam a usar o megafone, a fazerem, no corpo a corpo, o contato olho a olho. Letradas, estranham a fala clara e objetiva que informa e forma. No máximo, as esquerdas brasileiras chegam ao povo de forma tímida e no limite do alcance das redes  sociais virtuais.
Passivas, as esquerdas brasileiras aguardam. Vaidosas, elas se dividem, se destroem e creditam à omissão das massas a desfavorável correlação das forças para mudar o processo. Como crianças que acreditam em fada do dente, mantém-se à espera de um milagre nas eleições de 2018. Como se eleições democráticas pudessem caber dentro de algo que essas mesmas esquerdas reconhecem ser um golpe.
Contudo, analisando as convocações contra as reformas e pelo retorno à normalidade democrática, ocorridas em 2016 e 2017, constata-se que foram tímidas, mas que, mesmo assim, milhares de pessoas responderam com o seu comparecimento em todos os cantos do país. Assim como ocorreu com as marchas de 2013. 
O povo indignado e que sente o espinho espetar-lhe a pele responde quando ouve o chamado. Sendo assim, não será a passividade das esquerdas que faz com que elas acreditem na inércia das massas? Não seria uma espelhação, no sentido psicanalítico do termo?
Como que saídas dos pinceis de Salvador Dalí, as cores são lançadas nessa nossa gigantesca tela brasileira. Diante desse quadro surreal, se juntarmos Ari Barroso e Chico Buarque, a conclusão óbvia é que sarabandam a Aquarela e Carolina, na janela! 

Luzia M. Cardoso
(Texto e foto do grafite)

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