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segunda-feira, 8 de maio de 2017

Da Reforma Trabalhista



Da Reforma Trabalhista 

(Literatura de cordel)


Volta à cena, minha gente
A reforma trabalhista
Dizendo ser coisa antiga,
Deputados, congressistas
Rasgam a CLT (1)
Diante de nossa vista.

Vou explicar pra você
A que vem, a que remete
O tal Projeto de Lei
Meia, sete, oito, sete (2)
De dois mil e dezesseis
Estampado em manchete.

Foi Ronaldo d'Oliveira
Um político – pastor
Filiado ao PTB
Do Projeto, o autor.
É Ministro do Trabalho
De Temer, apoiador.

Quatro, nove, meia, dois (3)
Vem de outro Congressista
Deputado Júlio Lopes
Do Partido Progressista
E vão criando projetos
Contra as leis trabalhistas.

Estão lá, os dois políticos (4)
No qu’apura a Lava Jato
Delatados, estão na lista
Que aponta e dá ao fato
Nome de corrupção:
A propina em cada ato.

Há muitas outras propostas
Num Congresso irrequieto
Ameaçando direitos 
Que dizem obsoletos.
Deveriam, Congressistas,
Defender-nos com seus vetos.

Pra piorar o contexto
Do corrente mês de'abril
O Relator da Reforma
De forma ainda mais vil
Larga'um cavalo de Tróia (5)
No coração do Brasil

É do PSDB
Deputado Federal
Senhor Rogério Marinho (6)
Frio, ultraliberal
Restringe mais os direitos
No ponto fundamental

Pois faz do trabalhador
Barata mercadoria
E deixa o patronato
Numa alegre euforia
Dando-lhe todo poder
Quando a justiça atrofia

Chamada Casa do Povo,
O Congresso Nacional,
Composto por deputados
Tem papel primordial (7)
Para termos os direitos,
Garantidos, no final.

Hoje, a Casa vira as costas
Para quem a elegeu
Campanha com "Caixa Dois" (8)
Ninguém sabe quem que deu
Mas quem deu pede Reformas 
Você paga, também, eu!

De cara, mudam as regras
Das relações de trabalho
Entre patrão e empregado
Nossa lei vira cascalho!
Nos acordos coletivos,
Nós seremos os paspalhos!

Com poder maior que lei
Pro que for negociado
Em acordos coletivos.
Sindicado aliciado
Patrão mal-intencionado...
Trabalhador sai lesado!

A jornada parcial
Hoje, vinte e cinco horas,
Aumentará em mais cinco.
Trabalhará trinta horas,
Pra ganhar por vinte e cinco
E o patrão mais te explora!

A jornada integral
Será aos poucos extinta.
As quarenta e quatro horas
Trocadas pela de trinta
Parece bom prá você?
Mas não é o que se pinta!

Trabalhará muito mais
E ganhará muito menos
Pra aumentar o salário
E alimentar os pequenos
Dobrará tua jornada
Com dias nada serenos.

Hoje, a jornada máxima
É oito horas por dia
Veja que o trabalhador
Vai fazendo acrobacia
Pr’aumentar, com horas extras,
O salário que atrofia.

Estão querendo acabar
Com o limite diário
O de horas trabalhadas,
Sem as extras no salário!
Dia inteiro de labor,
Pra caviar d’empresário.

Trabalhará doze horas!
As doze por trinta'e seis.
Feriados ou domingos
Em qualquer dia do mês
Domingo não vale'o dobro
Com tamanha mesquinhez.

Todo direito'ao patrão.
Um verdadeiro acinte
Isto que querem fazer
Patrão pode, com requinte
Parcelar férias em três
Ainda tem o seguinte:

Sabe a hora de almoço,
Da jornada integral?
Reduzirão esse tempo
Como quer o liberal.
Só te darão meia hora,
Sem s’ausentar do local.

E contratos temporários
Hoje, de noventa dias,
Prorrogáveis uma vez?
Cento e oitenta, te diria.
Noventa pra renovar,
A lei já concederia.

Aumentar mais esse prazo
Pra prorrogar o contrato
Do trabalho temporário
Poderá o patronato.
Contratos ou convenções
Definirão o formato.

Outra forma de labor,
O trabalho intermitente.
Com contrato descontínuo,
Trabalhador impotente,
Ficará à disposição
Para voltar ao batente

Se', ao trabalho retornar,
Ausências tem que pagar
Com valor de meio dia
Mais o dia que faltar
O valor de um dia e meio
O patrão vai embolsar

A justiça, nesses casos,
Não poderá intervir.
Poderão, os tais acordos,
Direitos subtrair
E você, desesperado,
Não terá pra onde ir.

Ao final, adeus, irmão,
Teu trabalho é temporário!
Teu descanso, pro espaço
Sai sem indenização
Lei que te garantiria,
Não garantirá mais não.

E a terceirização,
Só atividade meio?
Para tudo, permitida!
A reforma tira o freio.
Atividade que é fim,
Terceirizam sem rodeio.

Terceirizam o servente
Terceirizam o engenheiro
Só importa pro patrão
A quantia, o dinheiro
Que poderá aplicar
No mercado financeiro!

Será por coincidência
A FIESP ter um texto (9,10,11)
Com semelhantes propostas?
Ou faz parte do contexto
Da extinção de direitos
Esse pato indigesto?

Não é modernização
Essa Reforma'indecente
A ganância liberal
Velhaca inconsequente
No Século dezenove
Sacrificou muita gente.

A Reforma Trabalhista
Fere a Constituição (12)
Descumprindo o artigo sete,
Fragiliza a proteção
Da classe trabalhadora
Frente'à usura do patrão.

Você que me lê ou ouve
Ficará aí parado
Ou virá, também, pras ruas
Fortalecendo o lado
Que é meu e também teu,
O lado dos explorados.

Luzia M. Cardoso 
(Poema, foto e edição)


   
NOTAS:

O que garantem, hoje, as Leis Trabalhistas:

a) Jornada diária de trabalho é de 8h e a semanal de 44 horas, no máximo.
b) Em casos em que a jornada diária seja prolongada, o trabalhador deverá ganhar pelas horas extras, ou suplementares, trabalhadas. As horas extras não poderão exceder a duas horas por dia. 
c) Esse limite legal somente será prolongado em caráter excepcional.
d) A CLT estabelece que o valor da hora extra é de 50% acima do valor da hora normal.
e) Para o contrato temporário, a lei vigente estabelece um tempo máximo de 180 dias, consecutivos ou não. Ou seja, ou só 90, que podem ser prorrogáveis por mais 90, ou de 180 dias diretos. Uma prorrogação além desse tempo por mais noventa necessita ser bem justificada.
f) A reforma trabalhista propõe mudanças nas regras do contrato temporário quando já permite a contratação por 180 dias e a prorrogação por mais 90 dias para qualquer situação.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

“Art. 7º.”. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
 III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
 V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
 VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
 VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
 IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
 X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
 XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
 XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
 XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
 XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
 XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
 XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
 XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
 XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
 XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
 XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
 XXIV - aposentadoria;XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;          
 XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
 XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
 XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
 XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
 XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
 XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
 XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso



Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.”         



Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada com as emendas Constitucionais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm


Referências:


1 - CLT. http://www.trtsp.jus.br/ger…/tribunal2/LEGIS/CLT/INDICE.html
2 - Projeto de Lei nº 6787\2016.


4 - Reportagens sobre a Lava Jato
http://www.jb.com.br/…/ex-secretario-de-transportes-julio-…/
5 - G1. http://g1.globo.com/…/relator-diz-que-reforma-trabalhista-s…
6- Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/…/relator-da-reforma-trabal…
7 - Função do Congresso Nacional.http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca
9 - CNI. 101 Proposta da Reforma Trabalhistahttp://www.abinee.org.br/informac/arquivos/cniprop.pdf
11. Paim diz que proposta da Fiesp para acabar com direitos trabalhistas é "brincadeira de mau gosto" http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2003/06/13/paim-diz-que-proposta-da-fiesp-para-acabar-com-direitos-trabalhistas-e-brincadeira-de-mau-gosto
12- Constituição Federal http://www.planalto.gov.br/cc…/constituicao/constituicao.htm



Ler também 


Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/…/como-a-reforma-trabalhist…


Lei nº 6019, de 3 de janeiro de 1974. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6019.htm

sábado, 11 de março de 2017

Presente do Passado em Sol Maior



            De quando em quando o meu passado bate à porta... Nem sempre à porta física, de madeira ou alumínio. Nesses tempos globais, a janela se impõe como entrada principal.
De quando em quando o passado pousa no parapeito de minha janela. Ao vê-lo por traz das vidraças iluminadas, nem sempre transparentes, embaçadas pela chuva, pelo frio e mesmo pela poeira das idas e vindas do sol, da lua, das estrelas, dos dias...


Cheguei em paz com o meu passado, por isso, sempre abro as janelas e o deixo livre para entrar. Às vezes, ele chega em voos rasantes, noutras, em altos voos, dá uma cambalhota, desce como em queda livre e espalha tudo o que não mais lembrava de haver por ali. São passados distantes e passados próximos.
Tem passado que logo bate as asas apressado e segue o seu rumo. Há aquele que precisa de descanso, necessita repousar as asas no dorso do próprio corpo ou nos braços de presentes amigos. Precisa cuidar de chagas, cicatrizes, dores...
Todo passado tem um canto, às vezes roucos, às vezes estridentes. Às vezes, tem um canto límpido de passado leve, noutras, solta um canto interrompido, sufocado, silenciado pelas grades da gaiola.
Já encontrei um passado saudoso que guiado pelas trilhas de uma nova realidade, bateu à minha janela. Era um passado cheio de medo, colarinho fechado, mangas compridas com punho abotoado. Um passado fóbico. Por medo, não pousou, bateu asas e voltou.
Também estive com um passado terno, olhos iluminados, espelho do céu. O seu canto, porém, soava acinzentado. E esse passado, esse doce passado também pousou à minha janela, ficou frente a frente a mim e se foi... Pretérito mais que perfeito.
Agora, abro a minha janela para revoada de Passado convidando-me a um breve voo. Abro o meu melhor sorriso e entoo o meu melhor canto, aquele em que usamos todas as notas, todas as escalas, todos os acordes. Aquele canto amigo e para o amigo para quem não se teme desafinar...
No início, aquela revoada temia que o canto plural assustasse e desagregasse o conjunto. Pediam um canto de uma nota só, no máximo duas, talvez. Rogavam, em prol do Sol em Lá, que se cantasse em Ré, com variação em Dó, num tempo Breve.  
E nesse Passado em revoada, o centro sufocava um Dó maior de barítono e soprano dramáticos, num baixo profundo... Ao longe, tecendo o horizonte, Lá anunciando o Sol.
Eu, um Presente do Futuro destoante, com o meu canto lateral, voando do Si ao Dó, pousando em Fá e Lá, mergulhando ao Sol, com pausas em Mi e Ré...  
E ao olhar a revoada, temi não conseguir voar com canto de uma nota só. Pousei na penumbra de minha sala, espreitando a janela, por instantes semiaberta, querendo receber o Presente do Passado.
 Depois de uma Máxima, a longa pausa onde se ouve o estrondo do silêncio, o Passado presente se abriu em coro para o nosso voo ao Futuro do Presente plural.

Luzia M. Cardoso

RJ, 11\03\2017

domingo, 18 de dezembro de 2016

GOELA ABAIXO




Nesta semana que anuncia o Natal de 2016, veio à minha cabeça a vida do peru destinado à ceia de alguns felizes brasileiros que amam saboreá-lo, mas que não sabem que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais da santa ave. 

Ave, peru! 

Peru vive em bando e é criado em galpões. A ração é medida de engorda para peso em ouro. A vida do peru de Natal tem, exatamente, vinte e oito semanas ou cento e noventa e seis dias ou quatro mil, setecentos e quatro horas de rotina cerrada: acorda, anda, cisca, engole, caga, trepa e dorme até a hora fatal, quando será embrulhado em papel brilhante e trocado por cerca de R$ 10,00 o quilo por alguém que deseja saboreá-lo na ceia de Natal. 

Contudo, 2016, não foi o ano do peru. No Horóscopo Chinês, 2016 foi o ano do macaco. No jogo de Bicho, 20 é peru e 16, leão. Por outro lado, 2+0+1+ 6 = 9, que é cobra. Nesse baile, roda o peru e dança o macaco. 

Agora, com golpe, Constituição e CLT despedaçadas, PEC, reforma no ensino, reforma na Previdência, tudo isso curtido na penúria da falta de salário e aromatizado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo, 2016 trava na goela como um sapo. 

Acontece que, em outubro de 2015, foi apresentado ao povo brasileiro o animal que regeria todo o ano de 2016: o pato. 

Pato plagiado, financiado, plastificado, falso, inflado, indigesto... O pato que se sobressaiu aos ratos e aos gatos dos becos e bueiros da Av. Paulista. O pato que foi jogado na cara refletida no espelho de cada cidadão e de cada cidadã brasileiros. 

Podemos concluir que 2016 foi o ano do pato e em todos sentidos: amplo, restrito, real, virtual, literal e figurado 

Por coerência, brasileira que sou, creio que o prato principal de nossa ceia de Natal deva ser Pato no Tucupi: marinado na chicória e limão; caprichado no alho e na pimenta; fatiado, pedaço a pedaço; assado na panela, para amolecer; finalizado no forno, para dourar! 



Bon appétit! 

Feliz Natal!

Luzia M. Cardoso
              
Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2016

sábado, 5 de novembro de 2016

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193\2016: QUEREM INSTITUIR ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DE UM PARTIDO?




PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193\2016: QUEREM
INSTITUIR ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DE UM PARTIDO?

Luzia Magalhães C ardoso1


O Projeto de Lei Escola sem Partido foi, inicialmente, apresentado no ano de 2015, pelo Deputado Federal, do PSDB de Minas Gerais, Izaci Lucas
(disponível
em http://www.camara.gov.br/…/prop_mostrarintegra;jsessionid=5… ). Neste ano, o Projeto de Lei foi reapresentado, com algumas modificações, pelo Senador Magno Malta, Partido da República, Espírito Santo e tramita no Senado como PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193, DE 2016, (disponível emhttp://www.senado.leg.br/ativid…/rotinas/materia/getPDF.asp….

Refletindo acerca do título do Projeto de Lei “Escola sem Partidos” deixamos claro que a Escola livre de doutrinações políticas e ideológicas, sem influências partidárias é o que preconiza os princípios constitucionais brasileiros, bem como os éticos do corpo de docente. Também é o que deseja toda a sociedade. 

O referido Projeto de Lei busca se inserir no a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional       (disponível emhttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm).

Ao lermos os dois primeiros artigos do referido Projeto de Lei, e os itens I a V, verificamos a sua correspondência na Constituição Federal de 1988, no Capítulo III, Seção I, artigos 205 e 206. Vemos que a NOSSA CARTA CIDADÃ JÁ DETERMINA QUE TAIS PRINCÍPIOS SEJAM SEGUIDOS:

CONSTITUIÇÃO DE REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
CAPÍTULO III: DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO 
Seção I: DA EDUCAÇÃO

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II         - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III       - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV       -          gratuidade       do        ensino             público            em       estabelecimentos       oficiais;
V        - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;VII                 -             garantia          de        padrão            de        qualidade.
VIII                - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.”

Verificamos, no entanto, que os itens VI a VII e seu parágrafo único e o artigo 5º, itens V e VI do referido Projeto de Lei têm forma e texto distintos do que prega a nossa Carta Constitucional e contribuem para cercear a Educação, contradizendo, se não ferindo, os itens II e III do artigo 206 acima citado. Diz a Constituição no item referenciado:

"Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;"
 
Diz o Projeto de Lei Escola sem Partido:

"Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios: VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;"
“Artigo 5º. Art. 5º. No exercício de suas funções, o professor: "V - respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções; VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula. ”
 
VAMOS REFLETIR:

Como que a educação e a informação direcionadas aos estudantes dentro da escola poderão atender à liberdade de consciência e crença de cada um (compreendendo que o Projeto de Lei pretende que crenças e formas de pensar não sejam, de forma, alguma questionadas) e, ao mesmo tempo, atender à liberdade de ensinar, de divulgar o pensamento, garantindo o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas (quando as ideias construídas historicamente por renomados filósofos, sociólogos, antropólogos, cientistas sociais, políticos e pesquisadores diversos questionam-se umas às outras, bem como a própria existência humana) sem gerar o contraditório, a reflexão, o questionamento e o debate?

Do mesmo modo ocorre com o item VII do mesmo artigo do referido Projeto de Lei:

"VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções."

VAMOS REFLETIR:

Uma coisa é a garantia Constitucional do respeito à liberdade de credo religioso, outra coisa é a Educação que tem como princípio a liberdade, a democracia, o pluralismo e o respeito às diferenças obrigar a cada unidade de ensino garantir que cada um de seus alunos (em sua diversidade cultural, religiosa e de pensamento) adquira o conhecimento existente no mundo (e correspondente a cada nível de ensino), de forma a impedir que o aluno a reflita sobre as suas concepções morais, religiosa e de vida.
Impedir a reflexão fere a própria proposta da Educação que é formar indivíduos aptos à refletirem sobre a própria realidade para nela intervirem, visando as necessidades sociais que são historicamente determinadas.

NESSE SENTIDO, O PROJETO DE LEI APRESENTA UMA CAMISA DE FORÇA E UMA MORDAÇA À EDUCAÇÃO

     O Projeto de Lei, nesses itens, fere a compreensão de que tudo na história se transforma, não só a realidade, como a direção da ciência e a própria concepção sobre o mundo e a existência humana.
Agora, vamos refletir sobre o texto do parágrafo único do artigo VII do referido Projeto de Lei:

"Parágrafo único. O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero."

Percebe-se haver aí uma confusão entre identidade de gênero e orientação sexual. Uma coisa é a identidade de gênero, o gênero com que a pessoa se identifica, apesar dos componentes sociais e culturais da construção do homem e da mulher presentes na sociedade e em seu próprio grupo familiar e social. Outra coisa e orientação sexual, que é o gênero pelo qual cada pessoa sente atração.

Como a realidade nos mostra, nem sempre a construção social do homem e da mulher, baseados nos aspectos anatômicos, determinam a atração sexual de cada um. Nem sempre a pessoa que nasce com o corpo de mulher ou de homem se sente uma mulher ou um homem, embora tenha sido educada dentro de uma cultura que relaciona a identidade à anatomia.

O texto do parágrafo único também parece confundir o que significa "natural amadurecimento e desenvolvimento" da personalidade do indivíduo, defendendo uma ideia equivocada e preconceituosa de que os indivíduos que não se identificam com o gênero associado à anatomia de seu corpo ou que não sentem atração pelo gênero oposto não "amadurecem e não se desenvolvem em condições naturais".

Daí o Projeto de Lei induzir que existe uma "ameaça na sociedade" que leva crianças e jovens "a um desenvolvimento não natural", portanto, “anormal”.

Como medicação, bem à moda dos choques elétricos e isolamento adotados na idade média para a loucura e doenças incuráveis, e bem à moda da censura das ditaduras, o Projeto de Lei aponta um instrumento para vigiar, controlar e punir os professores que não sigam linha a linha, palavra a palavra, o texto do referido Projeto de Lei: fica instituída a Delação.

Assim, o Projeto de Lei não orienta o debate, conforme todas as democracias. Não, pelo contrário, ele convoca os pais, os alunos e todo e qualquer cidadão a quando se sentirem contrariados ou desrespeitados, antes de buscarem compreender os fatos dentro da própria unidade de ensino, apresentarem a denúncia ao Ministério Público:

"Programa Escola sem Partido: Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato. Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade."

DEIXO, AQUI, ALGUMAS PERGUNTAS:

 - SERÁ QUE ESCOLAS E PROFESSORES DETERMINAM A ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E JOVENS?

2 - SERÁ QUE ESCOLAS E PROFESSORES TÊM O PODER DE DETERMINAR A IDENTIDADE DE GÊNERO DE CRIANÇAS E JOVENS?

3 - OS FILMES, NOVELAS, AS PEÇAS DE TEATRO, OS JORNAIS, REVISTAS, LIVROS E MÚSICAS QUE LEVAM À COMPREENSÃO DA DIVERSIDADE DE GÊNEROS E DE ORIENTAÇÃO SEXUAL PRESENTES NA SOCIEDADE CONTRIBUEM PARA INFLUENCIAR A ORIENTAÇÃO SEXUAL E A IDENTIDADE DE GÊNERO DE CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS OU SÃO INSTRUMENTOS PARA ACABAR COM O PRECONCEITO, COM A DISCRIMINAÇÃO E COM A VIOLÊNCIA?
4 - GARANTIR QUE AS DIFERENÇAS SEJAM COMPREENDIDAS, ACOLHIDAS E RESPEITADAS AMEAÇA A SOCIEDADE OU A TORNA MAIS JUSTA?

5 - HÁ OU NÃO HÁ PRECONCEITOS E INTOLERÂNCIA PRESENTES NESTE PROJETO DE LEI "ESCOLA SEM PARTIDO"?



 _________

1 – Assistente Social, professora universitária e cidadã que defende a qualidade, a universalidade, a equidade e a integralidade do ensino público brasileiro. 

Obs: Entre as produções acadêmico-científicas produções, destaca-seMorte materna: uma expressão da ‘questão social’, publicado pela Revista Serviço Social e Sociedade nª 102. São Paulo: Cortez, 2010. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010166282010000200004&script=sci_abstract&tlng=pt ;