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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Culpas e Desculpas




        Cada vez com mais frequência os meios de comunicação noticiam situações decorrentes da má qualidade dos serviços ofertados por algumas instituições, públicas ou privadas, e os consequentes prejuízos da má administração do setor. Assim foi com o sistema de tráfego aéreo, e os tumultos ocorridos nos aeroportos, com atrasos e cancelamentos de voos. Com o sistema ferroviário e a falta de manutenção e modernização dos trens. Também com os planos de saúde, que não disponibilizam serviços conforme a necessidade de quem os adquiriu. De prédios públicos, recentemente construídos, que estão inoperantes, ou que têm portas que dão para lugar algum e banheiros erguidos com paredes transparentes, como ocorreu com o Conservatório de Música no Paraná. E, nos últimos dias, também nos vemos diante de notícias acerca das consequências acarretadas pela falta de profissionais nas unidades públicas de saúde, seja por diminuição e não reposição do quadro de pessoal, seja pelo não comparecimento ao serviço. Em qualquer uma das situações, parece que a origem do caos encontra-se na gestão do setor e das instituições, na administração dos recursos materiais e humanos e na priorização dos serviços, muitas vezes subordinando as necessidades coletivas aos interesses privados.



       Independentemente de a instituição ser pública ou privada, todo trabalho assalariado é regulamentado por leis. Os trabalhadores do setor privado têm seus contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e os do setor público, quando estatutários, pelo Estatuto do Funcionalismo Público (municipal, estadual ou da União). Todos esses documentos regulam a relação entre o empregador e o empregado, instituindo direitos e deveres.

    Em observância à regulamentação de seu trabalho, ao assumir um emprego, o trabalhador tem o dever de ser assíduo, pontual, discreto, ético, educado, respeitoso em suas relações, observar as regras e normas institucionais, obedecer às ordens superiores quando dentro da legalidade, dar conhecimento aos mesmos sobre irregularidades que tiver conhecimento durante as atividades, entre outros. Claro também está que o trabalhador, em suas relações de trabalho, e observando a ética profissional, deverá informar ao superior imediato quando necessitar faltar ao trabalho. E caberá à hierarquia avaliar a necessidade de remanejar sua equipe e, se urgente, o próprio chefe, assumir a atividade.  Deverá a hierarquia, conforme a importância da atividade, as justificativas para a ausência e a gravidade da situação, aplicar as sanções devidas em cada caso, inclusive dispensa ou demissão do trabalhador.

Nesse sentido, se o trabalhador informar à hierarquia que faltará, eticamente, ele cumpriu sua parte. Economicamente, receberá a sanção do desconto salarial, sabendo que, funcionalmente, poderá, inclusive, perder o emprego. Mas com relação ao que acontecer na empresa, durante a sua ausência, não há dolo ou culpa por parte do trabalhador ausente, e se avisou à hierarquia que não estaria presente na instituição, nem negligência ou omissão do socorro. Assim, o trabalhador não poderá ser responsabilizado criminalmente pelo que acontecer devido à desorganização da instituição.

A falta ao trabalho é uma situação prevista nas relações trabalhistas e, por isso, quando não justificada (ou quando mal justificada) caberá ao empregador descontar o dia de trabalho do funcionário faltoso. Essa é a regra. Segundo a lei, se o trabalhador faltar às vésperas ou em dia seguido ao fim de semana remunerado ou a um feriado, esses dias também serão descontados. Nos casos de absenteísmo, caberá a hierarquia administrar os recursos, realocando os funcionários, em sua competência de coordenador da equipe, por isso, a hierarquia precisa também estar no local de trabalho, assumindo toda a responsabilidade, mas com condições de garantir, com a urgência necessária, o provimento do recurso, a fim de evitar os danos à instituição e aos consumidores de seus serviços.

     Percebe-se, assim, que se um trabalhador tem responsabilidades, as chefias têm responsabilidades maiores, proporcionalmente maiores conforme o nível de comando. Contudo, quais são os critérios adotados para ocupação de cargos nas instituições? Não há uma regra única e geral. Há empresas onde a ocupação de cargos ocorre por comprovada competência e eficiência técnico-administrativa, atualização profissional, disponibilidade de horário, compromisso e comprovado poder de liderança. Noutras, a escolha se dá por amizades, afinidades, dividas diversas, indicações de terceiros. Nessas últimas, a ocupação de cargos mais parece um jogo de sinuca, pois tem sempre a bola da vez e, muitas vezes, a permanência nos cargos parece ser vitalícia, mantém-se a pessoa no posto durante toda a sua vida funcional.

     Evidentemente que, nos casos de empresas que adotam esse último critério de escolhas da hierarquia, também nos baixos escalões os benefícios e as regalias serão distribuídos conforme as afinidades. Assim, aos amigos se permite tudo, aos indiferentes, aplica-se lei e aos inimigos, não se permite nada. 

E o protecionismo, nessas empresas, muitas vezes, vai além das amizades, e passa a ser movido por identidades corporativas. Assim, todos sabem quem está e quem não está no local, quem faz e quem não faz. A inadimplência é encoberta, e o dia não é descontado.

Por outro lado, ao adotar-se a regra da indicação e afinidades para o provimento dos cargos hierárquicos, e dependendo da natureza e dos objetivos dessas empresas, bem como a quem presta serviços, a hierarquia nem sempre será respeitada. Recebe-se por uma liderança que não é exercida. Um poder instituído de cima para baixo e não reconhecido pelos subordinados. Normas e regras não são cumpridas, e por isso, nem precisam ser questionadas num movimento coletivo de trabalhadores, e a empresa vira uma bagunça.  Desorganizadas, as instituições passam a dar prejuízos. E dependendo de quem pagar a conta ao final da linha, o prejuízo pode ser fatal.

Como socorrer uma empresa que dá sinais de esgotamento e de falência dos órgãos vitais? 

Creio que, primeiramente, há que dar fim ao clientelismo, apadrinhamentos e indicações de cargos por amizades e compromissos e rever todo o processo de trabalho. Há também que valorizar o trabalho em todos os níveis, ofertando condições materiais, técnicas, aprimoramento profissional, recursos humanos, salários e carga horária compatíveis com a importância social da atividade, com os riscos e esgotamento físico e emocional que ela causa. Há que se garantir um plano de cargos e carreiras que viabilize a ascensão funcional. Há que se mudar o critério de provimento dos cargos hierárquicos, com transparência, e garantir que o seu provimento seja por comprovada competência técnico-administrativa, reconhecido conhecimento, com prova de títulos, disponibilidade e capacidade de liderança, de resolução de conflitos, além de humanidade, ponderação e eficiência nas relações profissionais. 

Provavelmente, no caso da administração dos bens e serviços destinados a atender às necessidades da população, estejam eles nas mãos do Estado, do setor privado ou do Terceiro Setor, há que se avaliar a topografia da região e rever o curso da manada, para não continuar a com a prática de sacrificar um boi devido à insistência em atravessar rios cheios de piranhas, para ficar “tudo como antes, no quartel do General Abrantes”.

          
  Luzia M. Cardoso
RJ, 08 de Janeiro de 2013

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