(Foto de grafite de ruas da região metropolitana do RJ)
Luzia Magalhães Cardoso
José-Augusto de Carvalho
O estudo
divulgado pelo IPEA (2014) sobre a “tolerância social à violência contra as
mulheres” tem contribuído muito para o debate acerca do tema e, em especial,
sobre a triste e cruel realidade da mulher brasileira que, independentemente do
percentual apresentado no estudo[ii],
vem sendo responsabilizada pela violência sexual que tenha sofrido ou que possa
vir a sofrer. De certa forma demonizada,
e independentemente da idade, eternamente “Eva”, a mulher parece ter o poder
hipnótico de despertar no homem instintos os mais selvagens e incontroláveis, e
“guiá-lo” ao seu corpo com gestos, comportamentos e roupas “provocativas”, seja
no espaço público ou sob o teto de seu lar.
Apesar de os
dados apontarem para a não aceitação da violência física, demonstrando que,
pela compreensão de 91% dos entrevistados, “homem que bate em mulher deve ir
para a cadeia”, a pesquisa, contraditoriamente, revela que na percepção da
maioria dos respondentes “roupa suja se lava em casa”.
Conforme
as análises do documento divulgado,
“Há algo aparentemente paradoxal
no fato de parte expressiva dos entrevistados tenderem a concordar tanto com
essas últimas sentenças quanto com a que preconiza a prisão para o marido
violento – que poderia ser vista como a intromissão da colher do Estado na
briga do casal, com a inexorável consequência de tornar pública a lavagem da
roupa suja.” (IPEA, Op. Cit: p. 3)
Embora a
compreensão do que seja “roupa suja” não tenha sido objeto do estudo, na
possibilidade de ofensas, isolamentos, gritos, xingamentos, socos e pontapés
estarem dentro do mesmo “cesto” e, desta forma, deverem ser tratadas
privadamente, como, então, a violência doméstica contra a mulher será coibida?
Na percepção
dos respondentes de que “tem mulher para casar e tem mulher para cama” (34,6%),
que “toda mulher sonha em se casar” (50,9%) e que “uma mulher só se sente
realizada quando tem filhos” (28,6%), a pesquisa também revela a defesa do modelo
da família patriarcal nuclear, ou seja, aquela em que o homem é o chefe da
família e a mulher aquela que lhe deve obediência e satisfação. A prevalência
dessa percepção reforça um modelo feminino a seguir, ou seja, de recato,
maternidade e desejo sexual contido.
“A permanência da família patriarcal como
modelo, positivamente valorizado e desejável, expressa-se nos altos níveis de
concordância com algumas frases. Quase 64% dos entrevistados e das
entrevistadas afirmaram concordar total ou parcialmente com a ideia de que ‘os
homens devem ser a cabeça do lar’.” (IPEA, Idem: P. 4)
Com relação a
esta pergunta, o IPEA mostra que o percentual de concordância aumentou entre os
respondentes de 60 anos, de baixo nível de escolaridade, católicos ou
evangélicos, homens e a residência no Sul e Sudeste. Infere-se, portanto,
estarmos em uma sociedade em transição, caso seja fato de a geração mais nova
tender a questionar e a mudar tal padrão.
Verifica-se,
no estudo em questão, que os analistas tendem a considerar como sinônimos
“nível de instrução” e “educação”, quando na realidade, o primeiro mede o tempo
de frequência em unidade de ensino e o acesso ao conhecimento e, o segundo, a
capacidade de um indivíduo entender e seguir os padrões de comportamento e
observância dos valores da comunidade onde se insere.
“Três características dos
entrevistados determinam variações significativas na tendência a concordar com
essa afirmação, a região de residência, a religião, e a educação. Pessoas com
escolaridade média ou superior possuem menor chance de concordar do que pessoas
menos educadas, e o mesmo vale para quem reside no Sul/Sudeste. Em relação às
demais pessoas, católicos têm chance 1,5 vez, e evangélicos 1,8 vez maior de
concordar total ou parcialmente com “toda mulher sonha em se casar”. “ (IPEA,
Idem: 6)
Embora pareça
haver uma tolerância maior à relação homoafetiva, valores morais herdados da
sociedade patriarcal, valorizados pelas igrejas católicas e evangélicas, são
defendidos quando se considera que a união entre pessoas do mesmo sexo não tem
a mesma beleza da união heterossexual, de forma que a exposição pública de
afeto entre casais homossexuais causa incômodo, e ainda, que o casamento
(provavelmente percebido como sagrado) deva ser proibido.
Contudo, mais
do que revelar, as pesquisas devem subsidiar a práxis da sociedade civil no
sentido de desconstruir mitos, dissolver preconceitos, apontar novos valores,
visando uma sociedade mais justa, democrática e solidária.
Na medida em
que as pesquisas ficarem apenas nas estantes das bibliotecas, o perigo se
tornará iminente àqueles que se rebelarem contra padrões e formas dominantes,
pois o silêncio e a omissão reforçam o assédio e a ameaça, conforme vem
ocorrendo com a jornalista que deflagrou a campanha “Ninguém merece ser
estuprada”.
Luzia
Magalhães Cardoso – Brasileira, Assistente Social e Professora universitária.
José-Augusto
de Carvalho – Poeta português, de Viana do Alentejo.
[i]
IPEA. Sistema de Indicadores de Percepção Social: Tolerância Social à Violência
contra Mulheres. Brasília: IPEA, 21 de março de 2014. Disponível em http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres.pdf
Acesso em 02\04\2014.
[ii]
No dia 04 de abril do corrente, em nota à imprensa, o IPEA retificou o percentual
apresentado no referido estudo para duas questões: “Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de
apanhar”, 24% discordaram e 42,7,% concordaram (antes haviam divulgado que
58,4% discordavam e 13,2% concordavam com a afirmação); “Mulheres que usam
roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, 58,4 discorda, 12,8%
concordam parcialmente e 13,2% concordam (antes haviam divulgado que 24%
discordavam e que 42,7% concordavam). http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,ipea-corrige-pesquisa-sobre-abuso-contra-mulheres,1149437,0.htm Acesso em 04\04\2014.
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