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quarta-feira, 9 de abril de 2014

A Mulher Brasileira: o que revela o Estudo do IPEA


(Foto de grafite de ruas da região metropolitana do RJ)


A Mulher Brasileira: o que revela o Estudo do IPEA[i]

Luzia Magalhães Cardoso
José-Augusto de Carvalho



O estudo divulgado pelo IPEA (2014) sobre a “tolerância social à violência contra as mulheres” tem contribuído muito para o debate acerca do tema e, em especial, sobre a triste e cruel realidade da mulher brasileira que, independentemente do percentual apresentado no estudo[ii], vem sendo responsabilizada pela violência sexual que tenha sofrido ou que possa vir a sofrer.  De certa forma demonizada, e independentemente da idade, eternamente “Eva”, a mulher parece ter o poder hipnótico de despertar no homem instintos os mais selvagens e incontroláveis, e “guiá-lo” ao seu corpo com gestos, comportamentos e roupas “provocativas”, seja no espaço público ou sob o teto de seu lar.

Apesar de os dados apontarem para a não aceitação da violência física, demonstrando que, pela compreensão de 91% dos entrevistados, “homem que bate em mulher deve ir para a cadeia”, a pesquisa, contraditoriamente, revela que na percepção da maioria dos respondentes “roupa suja se lava em casa”.

 Conforme as análises do documento divulgado,

“Há algo aparentemente paradoxal no fato de parte expressiva dos entrevistados tenderem a concordar tanto com essas últimas sentenças quanto com a que preconiza a prisão para o marido violento – que poderia ser vista como a intromissão da colher do Estado na briga do casal, com a inexorável consequência de tornar pública a lavagem da roupa suja.” (IPEA, Op. Cit: p. 3)

Embora a compreensão do que seja “roupa suja” não tenha sido objeto do estudo, na possibilidade de ofensas, isolamentos, gritos, xingamentos, socos e pontapés estarem dentro do mesmo “cesto” e, desta forma, deverem ser tratadas privadamente, como, então, a violência doméstica contra a mulher será coibida?

Na percepção dos respondentes de que “tem mulher para casar e tem mulher para cama” (34,6%), que “toda mulher sonha em se casar” (50,9%) e que “uma mulher só se sente realizada quando tem filhos” (28,6%), a pesquisa também revela a defesa do modelo da família patriarcal nuclear, ou seja, aquela em que o homem é o chefe da família e a mulher aquela que lhe deve obediência e satisfação. A prevalência dessa percepção reforça um modelo feminino a seguir, ou seja, de recato, maternidade e desejo sexual contido.

 “A permanência da família patriarcal como modelo, positivamente valorizado e desejável, expressa-se nos altos níveis de concordância com algumas frases. Quase 64% dos entrevistados e das entrevistadas afirmaram concordar total ou parcialmente com a ideia de que ‘os homens devem ser a cabeça do lar’.” (IPEA, Idem: P. 4)

Com relação a esta pergunta, o IPEA mostra que o percentual de concordância aumentou entre os respondentes de 60 anos, de baixo nível de escolaridade, católicos ou evangélicos, homens e a residência no Sul e Sudeste. Infere-se, portanto, estarmos em uma sociedade em transição, caso seja fato de a geração mais nova tender a questionar e a mudar tal padrão.

Verifica-se, no estudo em questão, que os analistas tendem a considerar como sinônimos “nível de instrução” e “educação”, quando na realidade, o primeiro mede o tempo de frequência em unidade de ensino e o acesso ao conhecimento e, o segundo, a capacidade de um indivíduo entender e seguir os padrões de comportamento e observância dos valores da comunidade onde se insere.

“Três características dos entrevistados determinam variações significativas na tendência a concordar com essa afirmação, a região de residência, a religião, e a educação. Pessoas com escolaridade média ou superior possuem menor chance de concordar do que pessoas menos educadas, e o mesmo vale para quem reside no Sul/Sudeste. Em relação às demais pessoas, católicos têm chance 1,5 vez, e evangélicos 1,8 vez maior de concordar total ou parcialmente com “toda mulher sonha em se casar”. “ (IPEA, Idem: 6)

Embora pareça haver uma tolerância maior à relação homoafetiva, valores morais herdados da sociedade patriarcal, valorizados pelas igrejas católicas e evangélicas, são defendidos quando se considera que a união entre pessoas do mesmo sexo não tem a mesma beleza da união heterossexual, de forma que a exposição pública de afeto entre casais homossexuais causa incômodo, e ainda, que o casamento (provavelmente percebido como sagrado) deva ser proibido.

Contudo, mais do que revelar, as pesquisas devem subsidiar a práxis da sociedade civil no sentido de desconstruir mitos, dissolver preconceitos, apontar novos valores, visando uma sociedade mais justa, democrática e solidária.

Na medida em que as pesquisas ficarem apenas nas estantes das bibliotecas, o perigo se tornará iminente àqueles que se rebelarem contra padrões e formas dominantes, pois o silêncio e a omissão reforçam o assédio e a ameaça, conforme vem ocorrendo com a jornalista que deflagrou a campanha “Ninguém merece ser estuprada”.


 Sobre os autores:

Luzia Magalhães Cardoso – Brasileira, Assistente Social e Professora universitária.
José-Augusto de Carvalho – Poeta português, de Viana do Alentejo.




[i] IPEA. Sistema de Indicadores de Percepção Social: Tolerância Social à Violência contra Mulheres. Brasília: IPEA, 21 de março de 2014. Disponível em http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres.pdf Acesso em 02\04\2014.

[ii] No dia 04 de abril do corrente, em nota à imprensa, o IPEA retificou o percentual apresentado no referido estudo para duas questões: “Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar”, 24% discordaram e 42,7,% concordaram (antes haviam divulgado que 58,4% discordavam e 13,2% concordavam com a afirmação); “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, 58,4 discorda, 12,8% concordam parcialmente e 13,2% concordam (antes haviam divulgado que 24% discordavam e que 42,7% concordavam). http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,ipea-corrige-pesquisa-sobre-abuso-contra-mulheres,1149437,0.htm Acesso em 04\04\2014. 

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