PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 193\2016:
QUEREM
INSTITUIR ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DE UM PARTIDO?
Luzia Magalhães C ardoso1
O Projeto de
Lei Escola sem Partido foi, inicialmente, apresentado no ano de 2015, pelo
Deputado Federal, do PSDB de Minas Gerais, Izaci Lucas
(disponível
Refletindo acerca do título do
Projeto de Lei “Escola sem Partidos” deixamos claro que a Escola livre de
doutrinações políticas e ideológicas, sem influências partidárias é o que
preconiza os princípios constitucionais brasileiros, bem como os éticos do corpo
de docente. Também é o que deseja toda a sociedade.
Ao lermos os dois primeiros
artigos do referido Projeto de Lei, e os itens I a V, verificamos a sua
correspondência na Constituição Federal de 1988, no Capítulo III, Seção I,
artigos 205 e 206. Vemos que a NOSSA CARTA CIDADÃ JÁ DETERMINA QUE TAIS
PRINCÍPIOS SEJAM SEGUIDOS:
CONSTITUIÇÃO DE REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL DE 1988
CAPÍTULO III: DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA
E DO DESPORTO
Seção I: DA EDUCAÇÃO
“Art. 205. A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I -
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II
- liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino
público em estabelecimentos
oficiais;
V
- valorização dos profissionais da
educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes
públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;VII
- garantia
de padrão de qualidade.
VIII
- piso salarial profissional nacional
para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.”
Verificamos, no entanto, que os
itens VI a VII e seu parágrafo único e o artigo 5º, itens V e VI do referido
Projeto de Lei têm forma e texto distintos do que prega a nossa Carta
Constitucional e contribuem para cercear a Educação, contradizendo, se não
ferindo, os itens II e III do artigo 206 acima citado. Diz a Constituição no
item referenciado:
"Art. 206. O ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo
de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas
e privadas de ensino;"
Diz o Projeto de Lei Escola sem Partido:
"Art. 2º. A educação nacional
atenderá aos seguintes princípios: VI - educação e informação do estudante
quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de
crença;"
“Artigo 5º. Art. 5º. No exercício de
suas funções, o professor: "V - respeitará o direito dos pais dos alunos a
que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com
as suas próprias convicções; VI - não permitirá que os direitos assegurados nos
itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da
sala de aula. ”
VAMOS REFLETIR:
Como que a educação e a
informação direcionadas aos estudantes dentro da escola poderão atender à
liberdade de consciência e crença de cada um (compreendendo que o Projeto de
Lei pretende que crenças e formas de pensar não sejam, de forma, alguma
questionadas) e, ao mesmo tempo, atender à liberdade de ensinar, de divulgar o
pensamento, garantindo o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas (quando
as ideias construídas historicamente por renomados filósofos, sociólogos,
antropólogos, cientistas sociais, políticos e pesquisadores diversos
questionam-se umas às outras, bem como a própria existência humana) sem gerar o
contraditório, a reflexão, o questionamento e o debate?
Do mesmo modo ocorre com o item
VII do mesmo artigo do referido Projeto de Lei:
"VII - direito dos pais a que
seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as
suas próprias convicções."
VAMOS REFLETIR:
Uma coisa é a
garantia Constitucional do respeito à liberdade de credo religioso, outra coisa
é a Educação que tem como princípio a liberdade, a democracia, o pluralismo e o
respeito às diferenças obrigar a cada unidade de ensino garantir que cada um de
seus alunos (em sua diversidade cultural, religiosa e de pensamento) adquira o
conhecimento existente no mundo (e correspondente a cada nível de ensino), de
forma a impedir que o aluno a reflita sobre as suas concepções morais,
religiosa e de vida.
Impedir a reflexão fere a própria proposta da
Educação que é formar indivíduos aptos à refletirem sobre a própria realidade
para nela intervirem, visando as necessidades sociais que são historicamente
determinadas.
NESSE SENTIDO, O PROJETO DE LEI APRESENTA UMA CAMISA
DE FORÇA E UMA MORDAÇA À EDUCAÇÃO
O Projeto de Lei, nesses itens,
fere a compreensão de que tudo na história se transforma, não só a realidade,
como a direção da ciência e a própria concepção sobre o mundo e a existência
humana.
Agora, vamos refletir sobre o texto do parágrafo
único do artigo VII do referido Projeto de Lei:
"Parágrafo único. O Poder
Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer
prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento
e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade
biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da
teoria ou ideologia de gênero."
Percebe-se haver aí uma confusão
entre identidade de gênero e orientação sexual. Uma coisa é a identidade de
gênero, o gênero com que a pessoa se identifica, apesar dos componentes sociais
e culturais da construção do homem e da mulher presentes na sociedade e em seu
próprio grupo familiar e social. Outra coisa e orientação sexual, que é o
gênero pelo qual cada pessoa sente atração.
Como a realidade nos mostra, nem
sempre a construção social do homem e da mulher, baseados nos aspectos
anatômicos, determinam a atração sexual de cada um. Nem sempre a pessoa que
nasce com o corpo de mulher ou de homem se sente uma mulher ou um homem, embora
tenha sido educada dentro de uma cultura que relaciona a identidade à anatomia.
O texto do parágrafo único
também parece confundir o que significa "natural amadurecimento e
desenvolvimento" da personalidade do indivíduo, defendendo uma ideia
equivocada e preconceituosa de que os indivíduos que não se identificam com o
gênero associado à anatomia de seu corpo ou que não sentem atração pelo gênero
oposto não "amadurecem e não se desenvolvem em condições naturais".
Daí o Projeto de Lei induzir que
existe uma "ameaça na sociedade" que leva crianças e jovens "a
um desenvolvimento não natural", portanto, “anormal”.
Como medicação, bem à moda dos
choques elétricos e isolamento adotados na idade média para a loucura e doenças
incuráveis, e bem à moda da censura das ditaduras, o Projeto de Lei aponta um
instrumento para vigiar, controlar e punir os professores que não sigam linha a
linha, palavra a palavra, o texto do referido Projeto de Lei: fica instituída a
Delação.
Assim, o Projeto de Lei não
orienta o debate, conforme todas as democracias. Não, pelo contrário, ele
convoca os pais, os alunos e todo e qualquer cidadão a quando se sentirem
contrariados ou desrespeitados, antes de buscarem compreender os fatos dentro
da própria unidade de ensino, apresentarem a denúncia ao Ministério Público:
"Programa Escola sem Partido:
Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de
comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao
descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato. Parágrafo único. As
reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão
do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do
adolescente, sob pena de responsabilidade."
DEIXO, AQUI, ALGUMAS
PERGUNTAS:
1 - SERÁ QUE ESCOLAS E PROFESSORES DETERMINAM A
ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E JOVENS?
2 - SERÁ QUE ESCOLAS E PROFESSORES TÊM O PODER DE
DETERMINAR A IDENTIDADE DE GÊNERO DE CRIANÇAS E JOVENS?
3 - OS FILMES, NOVELAS, AS PEÇAS DE TEATRO, OS
JORNAIS, REVISTAS, LIVROS E MÚSICAS QUE LEVAM À COMPREENSÃO DA DIVERSIDADE DE
GÊNEROS E DE ORIENTAÇÃO SEXUAL PRESENTES NA SOCIEDADE CONTRIBUEM PARA
INFLUENCIAR A ORIENTAÇÃO SEXUAL E A IDENTIDADE DE GÊNERO DE CRIANÇAS, JOVENS E
ADULTOS OU SÃO INSTRUMENTOS PARA ACABAR COM O PRECONCEITO, COM A DISCRIMINAÇÃO
E COM A VIOLÊNCIA?
4 - GARANTIR QUE AS DIFERENÇAS SEJAM COMPREENDIDAS,
ACOLHIDAS E RESPEITADAS AMEAÇA A SOCIEDADE OU A TORNA MAIS JUSTA?
5 - HÁ OU NÃO HÁ PRECONCEITOS E INTOLERÂNCIA
PRESENTES NESTE PROJETO DE LEI "ESCOLA SEM PARTIDO"?
_________
1 – Assistente Social, professora universitária e cidadã
que defende a qualidade, a universalidade, a equidade e a integralidade do ensino público brasileiro.
Obs: Entre as produções acadêmico-científicas produções,
destaca-se “Morte materna: uma
expressão da ‘questão social’, publicado pela Revista Serviço Social e
Sociedade nª 102. São Paulo: Cortez, 2010. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010166282010000200004&script=sci_abstract&tlng=pt
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