Escutas
O decreto de
intervenção federal no Rio de janeiro, com a nomeação de um general do Exército
para assumir o comando da Segurança Pública do estado e o resultado de algumas
enquetes que demostram um percentual importante de pessoas acreditando que essa
intervenção irá por fim à onda de violência me remetem às vozes de algumas
manifestações, coletivas e isoladas, nos anos que antecederam o golpe.
Naqueles anos,
as mídias oficiais e alternativas apresentavam vídeos e fotos com pessoas
solicitando a intervenção militar para pôr termo à corrupção e à violência
urbana. Saudosistas do período do governo militar que, decerto, não viveram na
pele o terror dos desaparecimentos, das extradições e da tortura, insistindo na
negação das mazelas daquele período (escândalos de corrupção, escassez de
alimentos, inflação e desemprego). Alguns jovens, talvez filhos desses
saudosistas também reverberam as vozes de seu grupo social. Estes não fazem
sequer ideia da violência e crueldade dos tempos passados.
Passado o
espanto, busco entender o que queriam, de fato, dizer aquelas vozes que se sentiam
ameaçadas pela democracia e por políticas que promovam a justiça social. O que querem
que ouçamos as pessoas que confundem equidade com ditadura comunista¿
Chegando mais
perto, percebemos que algumas daquelas pessoas não pensam duas vezes na hora de
insinuar o “cafezinho”, quando são pegos infringindo as leis de trânsito. Vemos
muitas ultrapassarem pelo acostamento, cortando pela direita, costurando,
jogando o farol alto em quem está a sua frente.
Em alguns
momentos, quando olhamos de perto, vemos os que adotam a prática de levar
idosos e crianças para bancos e supermercados a fim de usufruírem de seus
direitos especiais. Numa praça de alimentação cheia, observamos que não se
inibem em ocupar uma mesa quando ainda nem compraram o alimento que vão comer,
deixando outros com a bandeja na mão de pé.
Nos
transportes coletivos, alguns sentam em bancos preferenciais não levantando, de
forma alguma, para aqueles que têm direito, gestantes, pessoas com criança de
colo, idosos, obesos e pessoas com deficiência.
Algumas são
baloeiros. Soltam balões, apesar dos incêndios e de ser prática
proibida. Tantos andam pelas calçadas com seus cachorros e deixam, por lá, os
seus dejetos. Ou compram animais silvestres para o seu próprio deleite. Há os
que não pensam duas vezes antes de ofender, de enfiar um soco na cara ou mesmo de puxar uma arma, num conflito qualquer, frente àqueles que os contrariam
em suas relações em sociedade.
Verificamos
que alguns se envaidecem em alardear as garantias do padrinho que lhes deu
acesso a empregos, cargos e bons salários. Têm aqueles que defendem o Estado
mínimo e a privatização das instituições públicas, mas se beneficiam, ou se
beneficiaram, das mesmas. Muitos, tendo recursos para arcar com os custos da
educação, por exemplo, não se constrangem em usufruir da rede pública,
tampouco, abrem mão de seus empregos ou cargos na máquina estatal para
viverem nas ondas do mercado privado.
De perto,
vemos que muitos que defendem o ordenamento neoliberal e governos autoritários têm
teto de vidro. Daí, surge a pergunta: o que, de fato, estão reivindicando essas
pessoas?
Se refletirmos
sobre a prática social de muitas dessas pessoas, concluímos que há deficiência de limites. Muitas
são egocêntricas e não pensam na coletividade. Não sabem esperar,
ceder, dar lugar, nem ouvir não. Seus valores e princípios são frágeis. Por
isso, talvez, ao intuírem a ausência de limites em si mesmos, reivindicam governos
autoritários, desejando a ordem através do medo. Talvez, queiram apenas limites externos explícitos e supervisionados.
Ou, talvez, não seja nada disso. Talvez, muitas dessas pessoas queiram apenas manter uma fachada ilibada, defendendo a própria falta de freios. Talvez, queiram apenas o rigor para os outros, enquanto desfrutam
de regalias imorais, por meio de carteiradas, do apadrinhamento, da arrogância, do suborno, da mão grande e da violência.
Luzia M. Cardoso
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