Obra licenciada por Creative Commons

Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons.

domingo, 24 de maio de 2020

Confinadas Leituras I A Trilogia de Nova York - Cidade de Gelo

Confinadas Leituras I


A Trilogia de Nova York - Cidade de Gelo

Fim de maio em uma flácida quarentena orientada pelo governo do estado. Os dados das mortes confirmadas pela Covid-19 e dos contaminados em curva ascendente e acelerada. Muitos doentes e mortos não testados ficavam fora da estatística. Contudo, apesar da sub notificação, o Brasil já estava no segundo lugar do ranking mundial, abaixo, somente dos EUA. 

Entre as tarefas domésticas, administrando as saídas inevitáveis ao supermercado para fazê-las quinzenalmente; entre contatos virtuais com familiares, conhecidos e amigo, preenchia as horas com minicursos à distância, inicialmente sobre a Covid-19 e agora um outro, com o jornalista Pedro Bial, O Poder da Escrita.

Foi no curso de Bial que me fora apresentada A Trilogia de Nova York, do norte-americano Paul Auster. Livro de suspense e mistério, reúne três romances cujo primeiro foi publicado em 1985, Cidade de Vidro e, em 1986, os outros dois, Fantasma  e O Quarto Fechado.

Em cerca de meus quase sessenta metros quadrados de confinamento, há quase noventa dias, com quinzenais mergulhos no escuro para garantir o provimento dos próximos quinze, num dia em que o vento se fazia agitado, uivante e o céu amanhecia gelo, iniciei a leitura do primeiro romance, Cidade de Gelo.

Tempos novos e estranhos esses nossos. O livro que leio não me chega em meio que preenche as minhas mãos e não cheira a árvores retiradas à força da terra fértil. Não. O livro que leio chega iluminado, rígido, estéril, meio frio meio quente e suas páginas viram ao toque da ponta de um único dedo.

Tempos estranhos e eu lendo Cidade de Gelo, onde quem fala não é e quem é não fala, ou fala e é e não é.

E aprendo que "(...) se não consideramos que o homem à nossa frente é humano, existem poucas restrições da consciência para o nosso comportamento em relação a ele."

As linhas escritas que se materializam em cenário e personagens ao movimento de meus olhos me conduzem, e me acompanham passo a passo,  no caminhar sobre um chão etéreo que abriga as ruas e os prédios de Nova York. Coincidentemente, ou não, lá também era maio.

Daqui, e já lá, expectadora, assisto o encontro de duas pessoas em uma sala. Ou seriam quatro? Ou seriam cinco?

Daqui, ouço o diálogo que se trava lá em um maio qualquer da cidade de Nova York.

Aqui, confinada, com um corredor de acesso a um quarto fechado e enfrentando os meus próprios fantasmas, movidos por moinhos de ventos.

Luzia M. Cardoso

Nenhum comentário: